quinta-feira, 1 de junho de 2023

A imprensa corporativa como motor de falsas narrativas


Paulo Hasse Paixão

O jornalista independente Glenn Greenwald resumiu na semana passada a forma como as falsas narrativas da imprensa corporativa são formadas e disseminadas, e que, enquanto os jornalistas que questionam o processo acabam por ser um alvo de destruição pelos poderes instituídos, aqueles que mentem são recompensados pelo sistema.

Durante uma emissão do seu “System Update” na semana passada, Greenwald observou assertivamente:

“Os jornalistas que divulgam as teorias da conspiração que a CIA quer que sejam divulgadas são promovidos e os jornalistas que questionam as teorias da conspiração da CIA são destruídos.”

E de seguida, insistiu:

“Não é interdito ao jornalismo corporativo americano espalhar histórias falsas e teorias da conspiração. De facto, é a única forma de prosperar na imprensa. As pessoas que mais mentiram e que mais espalharam teorias da conspiração são as que são promovidas e que enriqueceram através do jornalismo.”

Greenwald, já trabalhou para instituições da imprensa regimental como o The Guardian (onde foi o repórter central do caso Snowden), o The Washington Post e o Globo (Glenn é americano, mas vive no Brasil), mas há muitos anos que se estabeleceu como independente, expondo constantemente a corrupção, as mentiras, os conluios cartelizados e o ativismo ideológico dos meios de comunicação social mainstream.

É por isso que é livre para dizer isto:

“Desde que as teorias da conspiração que um jornalista dissemine e as histórias falsas que publica estejam alinhadas com o que a CIA, o Pentágono e todo o resto dos media corporativos, ele ficará bem. De facto, ficará melhor do que bem. Vai receber todo o tipo de recompensas”.

Referindo-se à reportagem de Seymour Hersh, já documentada pelo Contracultura, sobre a responsabilidade direta dos EUA na destruição do gasoduto russo Nord Stream, que o veterano e prestigiado jornalista afirma ter sido uma operação montada pelos serviços secretos norte-americanos, Glenn afirmou:

“O que não se pode fazer, foi o que Hersh fez e que o levou a ser expulso do jornalismo, é divulgar as chamadas teorias da conspiração que são contra a narrativa das forças de segurança dos EUA, que prejudicam a política externa dos EUA. Essa é a única coisa que é proibida. É isso que faz com que sejas expulso do jornalismo”.

Mais à frente, Greenwald ilustrou as suas legítimas acusações com o comportamento de apparatchik do editor-chefe do The Atlantic, Jeffrey Goldberg:

“Fez mais do que ninguém para espalhar as falsas teorias da conspiração que levaram à Guerra do Iraque, e às fraudes do Russiagate. Foi depois recompensado como resultado das mentiras que publicou em nome dos serviços de segurança dos EUA”.

Num outro episódio do seu programa no Rumble, o jornalista aprofundou a análise do lamentável estado do jornalismo americano, demonstrando simultaneamente que não se trata de um fenómeno novo, recorrendo ao caso dos ataques com Antraz a gabinetes do governo federal em 2001, que foram completamente manipulados em função de uma narrativa imposta pelo Pentágono, pela CIA e pelo complexo militar-industrial americano, com a ativa colaboração dos media.

“As pessoas na CIA, no FBI e no Departamento de Segurança Interna sabem que podem mentir aos media de propósito e impunemente, porque são protegidas pelo anonimato. Mesmo que se saiba que mentiram, os meios de comunicação social protegem estes mentirosos, pessoas que estão a enganar a América de propósito através da utilização das suas plataformas de comunicação social.”

Vale a pena ver este monólogo de Glenn Greenwald:

A ironia de tudo isto é que, às páginas tantas, as únicas teorias da conspiração que se comprovam falsas são aquelas veiculadas pela imprensa corporativa, que ao mesmo tempo se apresenta como verificadora de factos e adversária da ‘desinformação’. Ao contrário, as teorias da conspiração libertadas por aqueles que se recusam a alinhar com as narrativas regimentais mostram-se amiúde, e muitas vezes de forma até assustadora, completamente corretas.

Comparados com um noticiário da CNN, qualquer post do 4chan, qualquer página do Reddit, qualquer grupo do Facebook, constituirão, muito provavelmente, conteúdos informacionais mais fidedignos.

E o que é mais: a esmagadora maioria das pessoas que publicam ou partilham falsos factos na web fazem-no involuntariamente, por ignorância ou credulidade. O impacto destas mentiras é grupal, no máximo. Estas pessoas não têm credibilidade, nem poder, nem audiências para alterar seja o que for no grande esquema das coisas. A imprensa corporativa, ao contrário, sempre que mente fá-lo em plena consciência da vilania. Mente de propósito. Mente com fins políticos. Mente para mudar o mundo. E ao serviço daqueles que o querem transformar num inferno.

E é assim.

Título e Texto: Paulo Hasse Paixão, ContraCultura, 31-5-2023

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