quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

[Daqui e Dali] Pobre Camões, que tão mal o trataram


Humberto Pinho da Silva

Certa ocasião, Helena Sacadura Cabral declarou ao Diário de Notícias: "Em Portugal há uma longa tradição de murmúrio. De inveja. De cobiça e de preguiça também. Os valores raramente são reconhecidos e os mais inteligentes constituem o repasto ideal para a calúnia."

Se no início deste século era assim, segundo a escritora, não foi muito diferente nos séculos passados.

Hoje todos homenageiam Camões, como o maior poeta da nossa língua portuguesa, que narrou nos Lusíadas, a extraordinária epopeia dos descobrimentos.

Mas, como o reconheceram no seu tempo? Como o trataram e admiraram-no?

Morreu pobre. A magra pensão que lhe concederam era tão insignificante que mal lhe dava para sobreviver.

Diogo Couto, em 1567, encontrou-o em Lisboa, "Tão pobre que comia de amigos", que lhe davam a roupa de que necessitava.

Conta Almeida Garrett, pela boca do Telmo, no Frei Luís de Sousa: "Lá foi Luís de Camões num lençol para Sant'Ana. E ninguém mais falou nele”.

E mais adiante, à Maria: "Livro sim: aceitaram-no como tributo de um escravo. (...) Acabada a obra, deixaram-no morrer ao desamparo, sem lhes importar, com isso... Quem sabe se folgaram? Podiam pedir-lhes uma esmola, escusavam de se incomodar a dizer que não."

E D. Francisco Manuel de Melo, no Hospital das Letras escreveu: "De nós todos se poderá queixar, porque sendo honra e glória de Espanha, tão mal tornamos por ele, que, se não poucos o leem, são menos os que o entendem."

Certa ocasião, ao folhear o meu diário, deparei com a triste noticia que o notável intelectual, Lopes de Oliveira, após ter oferecido a valiosa biblioteca à cidade de Fafe (mais de cinco mil volumes) foi convidado a residir nessa localidade.

Vive ou vivia, sozinho, cozinhando e dormindo em velha casa, infetada de ratos, receando que os roedores lhe devorem os livros. O Comércio do Porto, 14/12/90.

Apetece-me dizer como António Nobre: "Que desgraça nascer em Portugal" – "SÓ".

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, dezembro de 2023 

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