Walter Biancardine
Quando assistimos a filmes de terror e o vilão, ao final, encontra-se encurralado, é costume que o mesmo tente uma última e desesperada ação que, inevitavelmente, o levará à morte. A plateia, já em choque por tantas barbaridades cometidas pelo mesmo durante a película, chega ao ápice de seu pasmo diante de tal atitude para, por fim, aliviar-se em glorioso e salvador epílogo. E tal é o canhestro roteiro que os Ministros da Suprema Corte do Brasil parecem estar seguindo fielmente, em seu desespero. Vamos aos fatos.
Não satisfeito em quebrar o
sigilo bancário do cidadão comum e inocente à priori, o STF
avalia seriamente a possibilidade de quebrar também nosso sigilo telefônico.
Sim, você não leu errado: neste momento, a sombria Corte estuda se as
companhias telefônicas devem compartilhar dados com a polícia. Quer algo ainda
mais estranho? Procedendo buscas no Google, você encontrará – na própria página
do STF – o link para o assunto mas que, ao ser acessado, acusará o fatídico
“erro 404 – página não encontrada”.
Por óbvio sabemos que, em
casos de crimes graves ou justificáveis, a quebra de tais sigilos – telefônico
e bancário – são usuais e necessários, mas a nota preocupante é que tal
possibilidade torne-se norma operativa da Justiça, e conhecemos o quão pouco ortodoxa
a mesma anda, cá por nossas terras. Nada mais natural que se tema, por parte de
todo um Judiciário dominado pelo topo, o uso e abuso de tais prerrogativas na
persecução dos supostos “inimigos da democracia”.
Vamos a outra: se a anistia
aos presos do fatídico dia 8 de janeiro – quando verdadeira e pérfida armadilha
foi preparada contra manifestantes em Brasília, logo após a “eleição” de Lula
da Silva, e que culminou com a prisão de mais de 1.500 pessoas de uma só vez –
passar no Congresso, a mesma será declarada inconstitucional pelo STF, afirmou
um Ministro daquela Corte.
Segundo matéria divulgada – pasmem – pela Globo News, a tramitação do projeto de lei denominado “PL da Anistia” na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e sua possível votação em plenário são considerados, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como um claro “desvio de finalidade”.
Ainda segundo a reportagem,
existe relação entre o projeto e a disputa pela presidência da Câmara dos
Deputados, fato que foi confirmado pelo deputado federal e relator do projeto,
Rodrigo Valadares (União-SE), em entrevista ao Estúdio I, da GloboNews, na
última segunda-feira (09).
“A gente sabe que a anistia é
uma pauta muito sensível à direita, talvez uma das mais importantes, e está,
sim, sendo condicionado o seu apoio, a sua pauta aqui na Casa, ao apoio à
presidência da Casa”, disse o parlamentar na entrevista.
De acordo com um ministro do
STF ouvido pelo site G1, esse tipo de negociação representa desvio de
finalidade por parte dos parlamentares:
“Se isso passar um dia,
será declarado inconstitucional. Um dos fundamentos será exatamente a
entrevista [dada ao Estúdio I], que prova desvio de finalidade. O raciocínio é
simples: o projeto foi indexado à eleição de presidente da Câmara, ou seja,
compra e venda de votos. Desvio de finalidade gritante”.
As Organizações Globo não
divulgaram, entretanto, o nome de tal Ministro mas sabemos que as declarações
do deputado – gravadas em vídeo – podem ser consideradas “flagrante eterno”,
segundo preconiza a alta sabedoria jurídica de Alexandre de Moraes.
E vamos ao terceiro e último
ato de desespero, que prenuncia a queda do vilão nos abismos e um possível
grito de terror da plateia: a multa de R$ 50 mil para quem acessar a plataforma
X (ex-Twitter) via VPN.
Não bastasse nos igualar à
China, Rússia e outras ditaduras pujantes ao redor do planeta, a proibição do X
no Brasil ainda teve o agravante de, tal qual somente a República “Democrática”
da China o faz, considerar infrator e penalizar aquele que tiver a ousadia de
acessar a mesma por quaisquer meios. Ou seja, criminaliza-se uma empresa e –
por extensão – todo aquele que utilizá-la, mesmo sendo seu usuário antes de tal
medida. Nada surpreendente para Ministros que, não podendo tomar maiores e mais
danosas medidas contra Elon Musk e seu X, avançaram sobre uma empresa que nada
tem a ver com a rede social – a Starlink, cujo único pecado é pertencer ao
mesmo dono.
Aos estrangeiros que
desconheçam a realidade brasileira ou aos conterrâneos que só agora acordaram,
talvez o acima descrito mais pareça um pesadelo oriundo dos filmes de Fellini,
mas é o que nos foi imposto nesta “democracia trans” que vivemos: é autoritária
como uma ditadura, perseguidora como uma ditadura, musculosa e violenta como
uma ditadura, tem garras e dentes de uma ditadura mas sente-se silfídica e
graciosa como uma democracia, a distribuir gentilezas, graças e afagos à mídia
e aos sócios do sistema.
Os últimos e ensurdecedores
gritos de fúria, entretanto, servem como prenúncio de um possível final feliz,
com a queda do monstro no abismo das degenerações humanas.
Aguardemos o tão esperado “The
End”, para que saiamos aliviados do cinema.
E para que jamais assistamos
novamente este tipo de filme.
Título e Texto: Walter Biancardine, ContraCultura, 12-9-2024
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