Executivo e Judiciário
protelam solução que resgataria os direitos de trabalhadores e aposentados do
Aerus
“Pedimos ao Vice-Ministro
proteção da União aos nossos direitos, principalmente ao direito à vida que o
próprio Estado está nos negando quando se recusa a reconhecer sua
responsabilidade na tragédia VARIG/AERUS, que atinge mais de 40 mil pessoas,
entre ex-trabalhadores da antiga VARIG, assistidos, participantes e
pensionistas AERUS, Planos I e II VARIG”
Comandante Luiz Pereira, no
relato da audiência que um grupo teve com o sub-chefe da Advocacia Geral da
União.
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Cinelândia, 12-04-2011, foto: Paulo Resende |
Nestes tempos em que algumas
fagulhas de lucidez atravessam a penumbra da inércia fatalista, cabe refrescar
a cabeça dos cortesãos para um dos mais escabrosos atos já praticados nas
barbas do governo, que demonstrou inegável cumplicidade com o golpe assestado
contra a aviação nacional e, em especial, contra trabalhadores, aposentados da
empresa mais enraizada no ramo, com prestígio no mundo inteiro e alta
potencialidade competitiva em níveis internacionais.
Faz muito tempo que escrevo a
respeito, com maior ou menor frequência. Escrevi muito antes do
leilão-relâmpago de 2006, simbolicamente na data do nascimento de Santos
Dumont, isto é num 20 de julho com as cores mórbidas das cartas marcadas, que
selou a determinação mortífera, envolvendo Executivo e Judiciário, no que se
pode chamar de verdadeira doação a um fundo de investimento norte-americano,
representado por um chinês de maus hábitos.
Falo da Varig mais uma vez
porque calar a respeito é crime. Falo, sobretudo, da mais preparada e mais homogênea
corporação de profissionais altamente qualificados, responsáveis pelos melhores
índices de segurança e desempenho conservados até mesmo nos seus estertores.
Essa trágica novela cujo fim
parece ser de péssimo gosto tem muito a ver com a catarse política de hoje, em
que o abuso no uso do poder em causa própria começa a se tornar insuportável e
tem levado a conflitos surpreendentes, com risco para a própria forma marota de
governabilidade, em voga desde priscas eras.
Uma trama sórdida e impiedosa
Porque o ato do governo
federal na hora crucial, abandonando os trabalhadores à própria sorte e
usando-os como cobaias de uma estranha lei de “recuperação das empresas”
resultou claramente da intenção de desmontar o maior arcabouço nacional nesse
mercado, favorecendo sem meias palavras interesses escusos, sustentados por
lobistas da copa e da cozinha da corte.
O que aconteceu naqueles anos
por determinação de um poder executivo hipócrita, que franqueia o BNDES a uma
meia dúzia de empresas transnacionais, tomou forma de escândalo demoníaco a
partir daquele 24 de março de 2009, em que a ministra Carmen Lúcia retirou da
pauta o julgamento de uma ação da Varig, em nome de um acordo que deveria ter
sido fechado em 60 dias. Passaram-se mais de 600 dias, não se falou mais em
acordo, e o STF nada fez, porque parece em muitos casos um simulacro de Poder
Judiciário.
Desde os primeiros capítulos,
assistimos a uma trama sórdida, que mancha qualquer currículo político, pela
natureza casada de suas cenas de perversidades: os trabalhadores ficaram sem
seus direitos trabalhistas e os aposentados viram suas pensões evaporarem por
conta da insolvência de um fundo de pensão que, em sendo autorizado e
fiscalizado, tem o governo obrigatoriamente como seu fiador.
Em nenhum momento, em quase
meia centena de artigos, eu tentei encobrir a irresponsabilidade dos
administradores da empresa e do seu fundo de pensão, que foi inicialmente o
fundo de toda a aviação comercial. Mas qualquer um sabe do caráter de uma
empresa de transportes concedidos, de sua dependência de políticas públicas,
como a que resultou na perniciosa defasagem tarifária, fonte dos desacertos que
atingiram não apenas a Varig, mas também a Transbrasil e a Vasp.
A Varig, porém, sempre
funcionou como um braço informal do governo, voando a seu pedido para
aeroportos onde teria perdas e prestando serviços de toda natureza. Em 2002,
quando fui ao Oriente Médio e à Espanha, foi mais fácil encontrar postos
avançados da empresa (no caso de Telaviv, onde não pousava) do que de qualquer
ente oficial.
Uma omissão imperdoável do governo
Quando a Varig começou a
perder altura, não foi a única do seu porte. O 11 de setembro de 2001 levou à
insolvência das grandes empresas dos Estados Unidos e Europa, todas, ao
contrário da nossa, devidamente socorridas por seus governos.
Nessa época, já era de se
esperar uma intervenção das autoridades aeronáuticas. No entanto, por
coincidência, um bandido de carteirinha estava entrando no mercado com uma
empresa sem qualquer apego ao escrúpulo e sem o menor respeito aos direitos
trabalhistas e dos usuários de seus ônibus-voadores. Ele vinha de Brasília, em
parceria com um governador corrupto e todos os vícios de um ambiente em que
brilham os ladrões e espoliadores dos cofres públicos.
Desde aquela época, o governo
tinha meios para impedir o débâcle da Varig, sugestões emanadas de seus
próprios profissionais, que se dispuseram a assumir a empresa no que seria uma
solução modelar para a época. No entanto, com a postura deprimente de um juiz
todo poderoso, todos os que tinham poder se juntaram com o único objetivo de
imolar a empresa, mesmo que isso custasse o sacrifício de milhares de
profissionais, muitos dos quais vivem hoje numa espécie de exílio, trabalhando
como pilotos nos quatro cantos do mundo.
As entidades dos trabalhadores
da Varig ofereceram ao governo, através de várias autoridades, uma fórmula
simples que injetaria combustível na empresa, preservava sua presença
internacional e mantinha o mercado interno sob controle e responsabilidade de
empresas nacionais, como é do próprio Código Aeronáutico.
No entanto, a máquina do poder
foi direcionada deliberadamente para favorecer uma concorrente amiga e criar as
condições para a entrega do nosso espaço aéreo a estrangeiras, como aconteceu
na navegação de cabotagem.
A promessa de um acordo de metirinha
À falta de determinação
política do governo, restou a expectativa do julgamento de um ação impetrada há
quase 20 anos, na qual a responsabilidade do governo nos prejuízos sofridos tem
sido reconhecida em várias instâncias e seria fatalmente no julgamento do STF,
tal como aconteceu em 1997 em pleito idêntico impetrado pela Transbrasil.
No 24 de março de 2009,
Executivo e Judiciário uniram-se para dar uma volta nos trabalhadores e
aposentados, na falácia de um acordo possível, que não passava de uma artimanha
para evitar o julgamento final de um processo, no qual seria gerada a pecúnia necessária
ao ressarcimento dos beneficiários do Fundo Aerus, submetidos hoje a haitianas
condições de humilhação e passando todo tipo de privação.
Neste momento, quando já se
debitam quase 500 óbitos entre os aposentados ludibriados, não se vê mais do
que jogo de cena, numa farsesca manipulação do que ainda resta de esperança
entre as vítimas desse que é o maior desastre da aviação brasileira.
À falta de comando, alguns
profissionais aposentados fazem das tripas coração para tentar tirar água da
pedra. No último dia 6, o comandante aposentado Luiz Pereira e os comissários
Antônio Melo, Edson Cardin, Ailton Ramos e Elizabeth Oliveira conseguiram
conversar com o vice-chefe da Advocacia Geral da União, Fernando Luiz
Albuquerque Faria. Lá, embora bem recebidos, ficaram sabendo que o governo tem
umas contas bem diferentes das periciadas no processo e ainda acha que, ao
invés de pagar, terá de receber da Varig, isto é, não haverá como abrir caminho
ao resgate dos direitos dos beneficiários do Fundo Aerus. Essa mesma autoridade
ainda disse que, se perder no STF, o governo remeterá a dívida para a longa
fila dos precatórios, demonstrando não está nem aí para a rapina que vitimou os
profissionais que tantos serviços prestaram ao país.
Ainda recentemente, no último
dia 13, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, recebeu representante do
Sindicato dos Aeronautas, acompanhada pelo senador Paulo Paim e pelo incansável
advogado Castagna Maia, responsável pelas ações em defesa dos aposentados.
Mais uma vez se gerou uma
réstia de esperança, prática muito comum que, no entanto, não tem dado em nada.
Mas o senador Paim lembrou que é autor do projeto 147/10, que autoriza a União
a cumprir seu dever institucional, isto é, indenizar os beneficiários do Aerus,
providência que seria muito mais decente do que injetar uma grana preta para
enriquecer ainda mais o dono do Pão de Açúcar e no socorro repetido às
privatizadas que prestam péssimos serviços aos cidadãos e ainda contam com a
generosidade do governo.
Você que não passa por esse
sufoco tem de se incorporar a uma causa que hoje é de uma corporação, mas que,
na inércia cristalizada, poderá se refletir em outros segmentos, inclusive no
seu.
Título e Texto: Pedro
Porfírio, 18-07-2011 (recebido por e-mail)
Edição: JP
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