Como o PT e Lula se tornaram
os principais beneficiários de um dos regimes mais corruptos do mundo. Ou: É
preciso cortar a cabeça da Górgona
Medusa, obra de Bernini. Museus Capitolinos, Roma. Foto: Ricardo
André Frantz, 2006
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Estão dispostos a encarar?
Longo, mas, modéstia às favas, acho que bastante bom. Avaliem.
A corrupção no poder não é um
problema exclusivamente brasileiro; aqui, no entanto, as coisas estão saindo
do, vá lá, razoável. Sim, há certa razoabilidade até no mundo da bandalheira.
Quem tem uma posição de mando está permanentemente ameaçado pela tentação de
contemplar os próprios interesses. Resistir é uma questão de caráter. É preciso
trabalhar com pessoas decentes, pois. Mas, nas democracias organizadas mundo afora,
confia-se menos nos homens do que nas instituições; são estas que controlam
aqueles, não o contrário. No que diz respeito à coisa pública, é preciso
diminuir o espaço do arbítrio, da escolha pessoal, em benefício de um padrão
que interessa à coletividade. No Brasil, estamos fazendo o contrário: a cada
dia, diminui a margem de escolha dos indivíduos privados, e aumenta o arbítrio
do estado. É o modo petista de governar. É claro que isso não daria em boa
coisa. Convenham: nós, os ditos “conservadores” — “reacionários” para alguns —,
estamos denunciando essa inversão de valores faz tempo.
A forma como o poder está
organizado no Brasil facilita a ação dos larápios. Há um elemento de raiz nessa
história. O regime saído da Constituição de 1988 foi desenhado para o
parlamentarismo até a 24ª hora; na 25ª, pariu-se o presidencialismo, e veio à
luz um regime híbrido, de modo que o chefe do Executivo fica de mãos atadas sem
a maioria no Congresso, e o Congresso não existe sem a distribuição das
prebendas gerenciadas pelo Executivo. Ai do presidente que perder a maioria no
Parlamento! É claro que Fernando Collor, por exemplo, caiu por bons motivos,
mas os motivos para a queda de Lula em 2005 eram maiores e melhores, e, no
entanto, foi socorrido pelo Legislativo. O resto é história.
Isso que se convencionou
chamar de “Presidencialismo de Coalizão” se mostra, já escrevi aqui,
“Presidencialismo de Colisão com a Moralidade Pública”. Aquele que vence a
eleição presidencial precisa começar a construir, no dia seguinte à vitória, a
sua base de sustentação no Congresso. Não o faz com base num programa de
governo. Sabemos como isso está desmoralizado, não? No máximo, há algumas
palavras de ordem. Uma das idéias-força de Dilma Rousseff, por exemplo, era o
ataque às privatizações… Agora, ela faz o diabo para tentar acelerá-las no caso
dos aeroportos, por exemplo.
Ao buscar o apoio no varejo, o
que tem o eleito a oferecer? Como se viu, nem mesmo um programa de governo.
Resta negociar com o bem público: “Ô Valdemar, rola o apoio dos seus 40 deputados
em troca do Ministério dos Transportes, de porteira fechada?” Claro que rola!
Pensem bem: por que um partido quer tanto uma pasta como essa? Vocação natural
dos valentes para servir? Expertise adquirida ao longo de sua história, de sua
militância? Não! Está de olho na verba da pasta, no seu orçamento. Passam,
então, a usar uma estrutura do estado e o dinheiro público com três propósitos:
a - fazer política
clientelista com os aliados — distribuindo pontes, asfalto, melhorias aqui e
ali segundo critérios partidários;
b - fortalecimento do partido
por meio da “caixinha” cobrada de empreiteiros e prestadores de serviços;
c - enriquecimento pessoal.
O interesse público, a essa
altura, foi para o diabo faz tempo. O PR sabe que jamais exercerá a hegemonia
do processo político; sua principal virtude — ou melhor: a principal virtude do
partido para seus próceres — é ter porte médio; é ser importante na composição
da maioria, mas sem ter a responsabilidade de governar. Isso, ele deixa para os
dois ou três grandes aos quais pode se associar, sempre cobrando o ministério
de porteira fechada. Torna-se, assim, um ente destinado a fazer negócios, não a
implementar políticas públicas.
Fragmentação partidária
A fragmentação partidária,
outra herança perversa da Constituinte de 1988, também está na raiz desse mal
estrutural, que predispõe o sistema brasileiro à corrupção. Os tais movimentos
sociais capitaneados pelo PT e pela igreja, os egressos do exílio, mesmo os
liberais que combateram a ditadura militar, toda essa gente se juntou para
defender a ampla liberdade de organização partidária, estabelecendo critérios
muito frouxos e pouco exigentes para a criação de legendas, que foram se
tornando ainda mais relaxados por legislação específica.
“Pra que tanto partido, meu Deus?”,
pergunta o meu coração. Para assaltar os cofres públicos! Ou alguém identifica
no, sei lá, PR, PP e PRB diferenças ideológicas de fundo, que realmente os
diferenciem? Ou ainda: o que eles têm de incompatível com o PMDB, por exemplo,
e este com o PSB ou com o PDT? A experiência mundo afora tem demonstrado que
dois partidos bastam para fazer uma sólida democracia, eventualmente três. Os
demais ou servem à vaidade de líderes regionais — na hipótese benigna e mais
rara — ou ao assalto organizado ao caixa. Esses partidos não DÃO apoio a
ninguém, mas o VENDEM. Os que não conseguem expressão eleitoral para
reivindicar cargos públicos fazem negócios antes mesmo da eleição: negociam seu
tempo na televisão.
Dá para ser otimista quanto a
esse particular? Não! Os encarregados de fazer uma reforma partidária, por
exemplo, são os principais beneficiários da fragmentação partidária. Isso não
vai mudar.
Como o PT degradou o que já
era ruim
Não! Eu não vou igualar o
governo FHC ao camelódromo petista só para que me julguem isento. Até porque
deixo a “isenção” para os que não têm independência para se dizer comprometidos
com certas idéias e teses. Eu, felizmente, tenho. O tucano também governou
segundo esse sistema chamado “presidencialismo de coalizão”, sim; denúncias e
casos de corrupção também apareceram em seu governo, mas o fato é que a sua
gestão tinha um propósito que, a juízo deste escriba, tirou o Brasil do fim do
mundo e o fez um ator importante na ordem global: a modernização da economia,
que se expressou por intermédio das privatizações, da abertura ao capital
estrangeiro, da reorganização do sistema bancário, da disciplina nas contas
públicas, da estruturação da assistência social. E tudo debaixo do porrete
petista, é bom lembrar. FHC governou essencialmente com o PSDB e com o PFL, os
dois partidos que venceram a eleição.
Os leitores mais jovens não
têm como saber, mas eu lembro: quando FHC, então pré-candidato do PSDB à
Presidência, anunciou a disposição de fazer uma composição com o PFL, a
imprensa “progressista” ficou arrepiada. “Como? O intelectual que veio da
esquerda se junta aos conservadores? Que horror!” Seu governo, depois, e isso
todos sabem, foi chamado de “neoliberal” pelos intelectuais e jornalistas
pilantras do PT. Adiante.
O PT entrou na disputa de 2002
prometendo duas coisas antitéticas — o que gloriosamente apontei na revista
Primeira Leitura, que fechou as portas em 2006: “mudar tudo o que está aí” (era
o discurso de sempre do petismo) e “preservar tudo o que está aí” — essência da
tal “Carta ao Povo Brasileiro”, que Antonio Palocci e outros petistas redigiram
na sede de um banco de investimentos. A síntese que fiz à época foi esta, e eu
a considero, modéstia à parte, muito esperta até hoje: “O PT é a continuidade
sem continuísmo, e Serra (então candidato tucano) é o continuísmo sem
continuidade”. Minha síntese é boa, mas algo fica faltando.
Oferecer o quê?
O PT NÃO CONTINUOU FHC num
particular: faltava-lhe um projeto de governo. Além da continuidade sem
imaginação, levado pelos bons ventos da economia mundial, o que o partido tinha
a oferecer? Certa resistência do ex-presidente tucano à feira livre dos cargos,
aos lobbies organizados de corporações sindicais e empresariais, à demagogia do
“faço-e-aconteço” — e essa era uma das virtudes republicanas de FHC — foram
transformadas por Lula num grande defeito, numa evidência do governante frio e
tecnocrata. Ele, Lula, era diferente: abria as portas do Palácio a quem
tivessem alguma reivindicação, ouvia todo mundo, atendia a todos os pleitos. O
Apedeuta transformou o governo federal, em suma, numa espécie de pátio dos
milagres de quantos quisessem arrancar um dinheirinho dos cofres públicos em
troca do apoio ao governo.
O PT JÁ TINHA SE DADO CONTA,
ÀQUELA ALTURA, QUE A HEGEMONIA DO PROCESSO POLÍTICO, QUE ESTAVA EM SEU
HORIZONTE DESDE A SUA CRIAÇÃO, EM 1980, SE DARIA NÃO COM A MUDANÇA DA CULTURA
POLÍTICA, MAS COM A SUA MANUTENÇÃO.
Por isso Lula disparou certa
feita a máxima de que governar é fácil. Ele se dava conta de que a simbiose
entre Legislativo e Executivo, de que a fragmentação partidária e de que a
gigantesca máquina federal concorriam para a construção e consolidação daquela
pretendida hegemonia. E não, ele não precisava nem ter nem anunciar projeto
nenhum! Bastava manter nas mãos do PT o núcleo duro do poder e distribuir
cargos à mancheia. Teria o Congresso, como teve, na palma das mãos. Se a
aliança estratégica que FHC fizera no passado com o PFL soou a muitos uma
traição, a de Lula com a escória da política foi tida como evidência de uma
pensamento estratégico e sinal de amadurecimento do PT.
O PT, FINALMENTE, SE TORNAVA O
PRINCIPAL BENEFICIÁRIO DO MODELO CONTRA O QUAL, PARA TODOS OS EFEITOS, SE
CONSTRUIRA.
Um novo sentido moral para a
corrupção
Vocês já devem ter lido que
Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência e espião oficial de Lula na
gestão Dilma, tentou livrar a cara de Luiz Antonio Pagot. O Babalorixá de
Banânia, embora diga o contrário, não aprova o desmanche da canalha que
incrustada no Ministério dos Transportes. Ainda que Dilma seja, obviamente,
beneficiária indireta do modo como Lula construiu o governo, tem lá algumas
exigências incompatíveis com aquela máquina de ineficiência e corrupção em que
se transformou a pasta. Para o demiurgo tornado o ogro da democracia
brasileira, isso é absolutamente irrelevante.
Há muito, desde o antiqüíssimo
Caso Lubeca — pesquisem a respeito —, o petismo tenta demonstrar que a
corrupção praticada pelo partido e por seus aliados tem um sentido moral
diferente daquela eventualmente protagonizada por seus adversários. As
lambanças petistas seriam imposições da realidade e buscariam sempre o bem
comum; no máximo, admite-se que o partido faz o que todos fazem; censurá-lo,
pois, seria evidência de preconceito. Esse juízo chegou ao paroxismo durante o
mensalão. Muito bem! O PR não inovou seus métodos nos seis meses de governo
Dilma; apenas continuou a praticar o que fez nos oito anos de governo Lula. Não
por acaso, Valdemar Costa Neto foi um dos protagonistas do escândalo do
mensalão. E com tal evidência que renunciou para não ser cassado. Carvalho, em
nome de Lula, tenta segurar Pagot porque entende que o PR é parte da construção
da hegemonia partidária. Os petistas deram dignidade à escória da política
brasileira.
Como se desarma isso?
Como se desarma isso? Não
tenho a pretensão de ter uma resposta definitiva. E acho que não há “a” ação
eficaz. A vigilância da imprensa, como provou VEJA, é certamente um elemento
poderoso. Os partidos de oposição têm de ampliar sua articulação com a
sociedade, que se expressa cada vez mais nas chamadas redes sociais. A cada um
de nós cabe denunciar a corja de vigaristas que, sob o pretexto de “mudar o
Brasil”, transforma o país no reino da impunidade.
E, definitivamente, é preciso
denunciar a ação deletéria do sr. Luiz Inácio Lula da Silva. É preciso cortar a
cabeça dessa Górgona barbuda sempre disposta a justificar as piores práticas
políticas e a petrificar o juízo crítico. Ele se tornou hoje o símbolo do
desastre moral que é a administração pública do Brasil. Não por acaso, enquanto
o governo Dilma se quedava ontem entre a paralisia e a evidência da corrupção
desbragada, lá estava ele ontem confraternizando com os “governistas” da Fiesp,
hoje um dos aparelhos rendidos ao lulo-petismo. Comemorando o quê?
A condição de Lula de chefe de
um dos regimes políticos mais corruptos do mundo. Isso, como vimos, não será
denunciando pelos “comunistas” da UNE, um cartório do PC do B, sócio do poder.
Também não será denunciado pelos supostos “capitalitas” da Fiesp, um cartório
dos que estão de olho, ou já os têm, nos empréstimos do BNDES a juros
subsidiados ou em alguma exceção fiscal.
É assim que se faz da
corrupção um método e quase uma metafísica.
Título e Texto: Reinaldo
Azevedo, 20-07-2011
Edição: JP
Observação:
A Górgona (em grego: Γοργών ou Γοργώ; transl.: Gorgón ou Gorgó) é uma criatura da mitologia grega, representada como um monstro feroz, de aspecto feminino,[desambiguação necessária] e com grandes presas. Tinha o poder de transformar todos que olhassem para ela em pedra, o que fazia que, muitas vezes, imagens suas fossem utilizadas como uma forma de amuleto. A górgona também vestia um cinto de serpentes entrelaçadas. (...)
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