sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Qual o maior perigo: Trump ou os inimigos de Trump?

Rui Ramos

Trump é considerado um perigo para a democracia. Mas os anti-trumpistas não parecem menos perigosos. Entre a mentira e o assédio, os anti-trumpistas vão fazendo o que dizem que Trump fez ou vai fazer.

Vivemos numa época de sanções preventivas: Obama teve um Prémio Nobel da Paz com uns meses de presidência, sem tempo para fazer fosse o que fosse; da mesma maneira, Donald Trump já está sentado no Tribunal de Nuremberga antes mesmo de tomar posse. O que é que tanta gente tem contra Trump?

Se bem se lembram, uma das coisas em desfavor de Trump durante a campanha foi a possibilidade de ele nunca aceitar a vitória de Hillary Clinton. Que mais clara prova podia haver de “fascismo” do que a tentativa de subverter uma eleição? Mas o mundo era assim quando a presidência parecia ganha para Clinton. Porque logo que Trump, contra toda a sabedoria científica e mediática, teve o desplante de vencer, o mundo mudou imediatamente, e passou a ser sinal de probidade democrática resistir à escolha do eleitorado e pôr em causa a autenticidade do processo.

Não bastou aos anti-trumpistas considerar Trump um mau candidato, ou lamentar a sua eleição. Precisaram de o deslegitimar. Numa primeira fase, foi acusado de ser o presidente votado pelos pobres e pelos ignorantes. Não se percebia onde os anti-trumpistas queriam chegar: voltar aos regimes censitários do século XIX? Numa segunda fase, descobriram outra história: Trump não teria sido afinal eleito pelos americanos, mas nomeado por decreto de Vladimir Putin. Mais uma vez, não se percebe o objectivo: sugerir que, afinal, a democracia americana é um teatro de marionetas manipuladas à vontade pelo Kremlin? Quem é que, afinal, quer voltar os cidadãos contra o sistema democrático?

Tem sido costume rasgar as vestes por causa da ameaça de Trump à democracia. Mas os anti-trumpistas não parecem menos perigosos. Não é apenas a sua indisponibilidade para reconhecer eleições. É também o à-vontade com que, há umas semanas, citavam os relatórios “impossíveis de verificar” do BuzzFeed, porque, imagine-se, Trump também usara “notícias falsas”. A estratégia anti-trumpista é esta: acusar Trump de certos métodos maldosos, para depois recorrer aos mesmos métodos, com a desculpa criada pela acusação inicial. Viu-se ainda isso na orquestra de insultos e ameaças a que foram sujeitos os artistas alinhados para as festas da tomada de posse. A jovem cantora que aceitou cantar o hino tem uma irmã transgénero, que foi logo coberta de injúrias homofóbicas pelos anti-trumpistas. Ou seja, entre a intolerância, a mentira e o assédio, os anti-trumpistas vão praticando o que clamam que Trump fez ou fará mais tarde. Se estes são os defensores da democracia, então a democracia não precisa de inimigos.

No meio deste circo, vão passando, sem muito debate, as más ideias de Trump: as suas dúvidas sobre o comércio livre, que deixaram o líder do Partido Comunista Chinês como último advogado da globalização, ou as suas incertezas sobre as alianças dos EUA, que ainda podem tornar Putin mais ousado. Mas percebe-se porque não há grande discussão. É que essas são também as ideias dos anti-trumpistas, onde estão os grandes inimigos da liberdade económica e do “imperialismo americano”. Mais ainda: são ideias que correspondem, na sua essência, a inclinações de Obama, que entregou metade da Ucrânia e a Síria a Putin, ou a cedências de Clinton, que acabou a sua campanha a prometer afundar os grandes tratados de comércio. Se os EUA se distanciarem do mundo, pondo em causa os fundamentos internacionais da prosperidade e da liberdade, o primeiro capítulo da história desse distanciamento não será a presidência de Donald Trump.

É de bom tom preocuparmo-nos com Trump. Mas em que sentido é o novo presidente americano verdadeiramente preocupante? No sentido em que as más tendências e as péssimas ideias que agora toda a gente finge que são exclusivo de Trump não começaram com ele e não acabam nele.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador, 20-1-2017

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4 comentários:

  1. Ele nem tomou posse mas já podemos dizer que é possivelmente a personalidade pública mais injustamente vilipendiada pela mídia na história. É estarrecedor!

    É bom frisar que eu não sou nenhum entusiasta da pessoa de Donald Trump. Mas é impossível ter olhos e não ver a campanha de character assassination promovida contra ele. É algo que provavelmente jamais foi visto na história da mídia
    Vitor Grando

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  2. A superior inteligência do comentário televisivo

    A avaliar pelos doutos comentários televisivos que hoje ouvi (e, pelos vistos, continuarão...) a respeito de Trump, por ocasião da sua tomada de posse como Presidente dos EUA, concluí que o cérebro dos  norte-americanos que o elegeram deve ainda ser um percursor do cérebro de um Cro-magnon. 
    Pergunto-me então quantos séculos serão necessários para que tais minúsculos cérebros possam atingir a dimensão e as luzes dos comentaristas e jornalistas portugueses. Quantos milhões de séculos? 

    Pinho Cardão
    http://quartarepublica.blogspot.pt/2017/01/a-superior-inteligencia-do-comentario.html

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  3. Queria ser douto o suficiente para decifrar as mensagens dos que se acham grandes comentaristas.
    Sou céptico, ateu, chato, revoltado, contra a falta de raízes nas árvores da vida dos cidadãos em relação aos seus passados e tradições.
    Ser cristão, muçulmano, judeu ou qualquer porra de religião não é tradição é opção. Ser patriota, defender e proteger os lugares que nascemos e vivemos é manter a tradição, ser cosmopolita é evoluir.
    Confundimos hoje em dia ética com moral.
    Eu admiro sempre a primeira, qualquer primeira, não há louros aos seguintes, pode haver mérito nas segundas e terceiras, ou na superação dos limites.
    Os Estados Unidos são uma só república desde 1776, respeitam a primeira constituição e república primeira, como mãe, única.
    Quantas mães são necessárias aos outro países?
    Quantas foram necessárias?
    Os filhos crescem e não protegem seus legados.
    Aceitam as madrastas como compensações por suas vazias opções.
    Que TRUMP e os "US America" deixem cada país defender suas fronteiras, deixem cada povo defender suas sagas.
    Só aí veremos quem se vendeu às suas opções.
    bom dia...

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  4. Pelo comentário abaixo, o leitor pode comprovar a que ponto chegou a imprensa, neste caso, a portuguesa: convidam para 'comentar' um ex-deputado do Bloco de Esquerda, que fundou um partido, LIVRE, que teve um por cento dos votos nas últimas eleições legislativas!!

    Compreenderá o generoso leitor a minha aversão à imprensa lusitana. Aliás, durante algum tempo, fui escrevendo ou reproduzindo os absurdos que ouvia ou lia, aqui no blogue. Até chegar ao ponto, acho que já lá vão dois anos ignorar completamente os jornais e os canais de televisão.
    (Sou assinante da revista Sábado por único motivo: aproveitei uma promoção "Assine, ganhe milhas TAP".)

    Eis o comentário:

    "José Montargil

    Os comentadores no dia da eleição de TRUMP em todas as televisões eram contra o presidente. Disseram o pior que se pode dizer de um político. Os entrevistadores seguiram o mesmo caminho. Isenção foi zero, de parte a parte. A TVI ou a SIC tiveram a 'brilhante ideia' de ter como comentador Rui Tavares ex-deputado do Bloco na Europa. O Rui Tavares falou da Madeira de onde é natural e o que disse podia ter sido eu ou o Zé da Esquina: arrazou o TRUMP na base do arrazo puro e simples. Fiquei admirado pois costuma ser menos faccioso..
    Este género de atitudes lixa completamente uma visão equilibrada do poderá acontecer, quais as escolhas políticas do novo presidente. Com este ataque cerrado 'ad hominem' como a malta da televisão gosta de dizer para dar a pala que são cultíssimos, nós os comuns do mortais andamos à nora para tentar perceber o que se passa."

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