segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O complexo de que lá fora é que é (bom)


Isabel Stilwell
O nosso grande problema é que passamos o tempo a imaginar que “lá fora” é muito melhor do que cá dentro, e essa sensação de que poderíamos ter nascido num sítio melhor do que aquele em que viemos ao mundo vai corrompendo a nossa felicidade. Mesmo quando o comboio parte a horas, o metro tem espaço para estendermos a perna e lermos o jornal, mesmo quando a caixa multibanco funciona, e a Via Verde nos permite deslizar pela estrada sem paragens, mesmo quando as urgências dos hospitais nos atendem depressa e bem, e sem nos levarem nada por isso, mesmo assim imaginamos que se estivéssemos em Londres, ou em Paris, até em Madrid tudo seria melhor. Ao primeiro contratempo revelamos a falta de fé nas nossas capacidades, e vociframos que “lá fora”, lá fora nada daquilo seria possível.
A nova geração teve uma vantagem sobre a minha: viajou muito mais, e provavelmente teve a sorte de completar uma experiência de Erasmus, num outro país europeu. E aí constatou que “lá fora” também há erros no aviso da plataforma de que parte o comboio, há linhas de metro que fecham ao fim-de-semana por causa de obras, que os dormitórios das universidades não passavam uma inspecção da ASAE (e muito menos das suas mãezinhas), e que nem toda a gente é sorridente e prestável, muito pelo contrário.
O pior é que esta ideia latente de que somos uns desafortunados impede-nos de lutar pelo que é nosso, e de nos associarmos de forma mais solidária para mudar o que não está bem. Afinal, se estamos todos secretamente à espera de emigrar, não vale a pena investir na terra onde nascemos, e lá nos deixamos todos cair na maledicência à mesa do café, em lugar de juntarmos esforços. Essa nostalgia por um mundo que não existe fica choca quando, ao sairmos de portas, descobrimos que os países dito ricos o são porque vivem de forma muito mais modesta do que supúnhamos, no que consideramos mesmo uma avareza de luxos postos à disposição dos cidadãos. Vai-se a ver, e até parecem pobres! Sinceramente, devíamos investir num bilhete de avião para cada português. Não há como ver para crer.
Título e Texto: Isabel Stilwell, Destak, 05-12-2011, 21h 28

Foto: AD

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