Ricardo Araújo Pereira
Considero que Cristiano
Ronaldo é modesto e casto. No lugar dele, tendo feito os sacrifícios que ele
fez e obtido o que ele obteve, eu teria mandado fazer um cartaz, todo em néon,
com os dizeres "Eu sou o grande Cristiano Ronaldo" e uma seta
fluorescente a apontar para mim, pendurava-o ao pescoço e não saía de casa sem
ele.
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Foto: Jan Solo |
Cristiano Ronaldo acaba de
ganhar mais um prémio importante e, no entanto (ou por causa disso), muitos
estrangeiros odeiam-no, e alguns portugueses toleram-no com aquele desprezo
manso que se dedica aos rústicos. Dizem "Cristiano Ronaldo"
articulando todas as sílabas com escárnio, sublinhando toda a
cristianoronaldice do nome. Essa gente maldosa sabe o que faz: o nome foi a única
vantagem com que Cristiano Ronaldo nasceu. É um nome que indica ao seu
proprietário a carreira que deve seguir. Um nome psicotécnico: um arquitecto
Cristiano Ronaldo sabe que nunca vencerá o Pritzker, e um engenheiro Cristiano
Ronaldo nunca será quadro de topo da Mota-Engil - a menos que tenha sido
ministro das Obras Públicas, mas infelizmente o cargo de ministro também está
vedado a Cristianos Ronaldos, como é óbvio. Não, assim que um miúdo recebe o
nome de Cristiano Ronaldo, pode começar a engraxar as chuteiras: já sabe que
vai ser jogador de futebol.
Foi a única vantagem com que
Cristiano Ronaldo nasceu. Tudo o resto foi conseguido por ele. É por isso que,
ao contrário do que parece ser a opinião geral, considero que Cristiano Ronaldo
é modesto e casto. Modesto e casto, digo bem. E justifico: Ronaldo nasceu, há
26 anos, num lugarejo esquecido da Madeira. À custa exclusivamente do seu
esforço, conseguiu ser considerado o melhor do mundo no seu ofício. É isso que
faz dele modesto. No lugar dele, tendo feito os sacrifícios que ele fez e
obtido o que ele obteve, eu teria mandado fazer um cartaz, todo em néon, com os
dizeres "Eu sou o grande Cristiano Ronaldo" e uma seta fluorescente a
apontar para mim, pendurava-o ao pescoço e não saía de casa sem ele. Que ele,
de vez em quando, dê uma entrevista em que arrisca um tímido elogio a si mesmo,
para mim, é sinal de humildade.
Além disso, recordo que
Ronaldo tem 26 anos. Parece que se dedicou em exclusivo a uma russa quando tem
400 russas, 650 suecas, 890 finlandesas - e por aí adiante, por esse atlas
afora - a baterem-lhe à porta. Qualquer rapaz normal de 26 anos que já tivesse
ganho o suficiente para nunca mais precisar de trabalhar na vida faria uma
curta interrupção sabática de 40 anos no futebol para se dedicar em exclusivo
às estrangeiras e ao álcool, como muitos antes dele tiveram o discernimento de
fazer. Entre a pândega e o trabalho, Cristiano Ronaldo optou por meter na
cabeça que vai bater todos os recordes anteriormente estabelecidos pelos
melhores jogadores da história, e parece bem lançado para o fazer. Escolheu
mal, evidentemente, até porque aos 26 anos não temos ainda a maturidade para
distinguir aquilo que é mais importante na vida, e os cantos de sereia da ética
do trabalho conseguem fazer com que muito jovem imaturo abandone uma vida de
libertinagem para cair tragicamente nos braços da competência profissional.
Comparado com o que podia ser, Cristiano Ronaldo é um monge. Há padres mais
devassos do que ele. Felizmente, eu sou capaz de perdoar as falhas de carácter
mais graves, e não o admiro menos por causa disso.
Título e Texto: Ricardo Araújo Pereira,
revista Visão
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