Antropólogos de boutique
deveriam pegar um avião e ir para algumas regiões da África
Luiz Felipe Pondé
Hoje em dia gostamos de
inventar termos "científicos". Um deles é "sensibilidade
cultural", e o usamos para criticar formas de "intolerância
cultural" (ou insensibilidade cultural), ou seja, tratar mal pessoas com
hábitos diferentes dos nossos ou negar o direito de se praticar coisas
estranhas para nossa cultura. A forma mais radical de criticar esta intolerância
é dizer que "todo outro é lindo".
Gosto mais da expressão
"tolerância" quando era inocentemente aplicada a casas de mulheres
que fazem sexo em troca de dinheiro, as chamadas "casas de
tolerância". Tenho saudade do uso da palavra "tolerância" neste
sentido. Hoje em dia, a expressão "tolerância" é comumente utilizada
por fanáticos que querem afirmar que tudo que vem do "outro" é lindo
e maravilhoso.
Polêmicas ao redor do uso do
véu islâmico têm sacudido a Europa. Até a Olimpíada em Londres não escapa
disso. Recusar o direito de se usar o véu (ou similares) seria falta de
sensibilidade cultural ou falta de tolerância cultural.
A verdade é que esse negócio
de tolerância ou sensibilidade cultural com o outro (da qual partilho) é
invenção de ocidental rico. E às vezes, temo, a moçada que gosta de falar disso
fica tomando vinho em suas casas em segurança e nada sabem do mundo em chamas
por aí. "Outros" são triturados por muitos dos "outros" que
teimamos em achar lindo. Só que estes "outros" triturados são
invisíveis para olhos acostumados às vítimas "profissionais" da nossa
época. A indústria das vítimas oficiais não assimila esses miseráveis de fato
em suas campanhas de conscientização chique.
Esses defensores da
sensibilidade cultural, antropólogos de boutique, deveriam pegar um avião, sair
de Paris, Londres, Nova Iorque e São Paulo, e viajar um pouco. Quem sabe ir
para algumas regiões da África, como Sahel (área semiárida no continente), Mali
ou norte da Nigéria, dominadas por salafistas muçulmanos fanáticos, e defender
a sensibilidade cultural por lá. Queria ver como esses inteligentinhos iriam se
virar com esses salafistas que não estão nem aí para suas modinhas culturais.
No Mali, domingo 29 de julho, salafistas pegaram um casal que teve um filho fora do casamento, enterraram os dois até o pescoço e os mataram a pedradas. Eles já têm espancado cristãos, destruído seus mausoléus e também destruído locais históricos do próprio islamismo que para eles não seja o "islamismo correto". Qualquer um que não obedeça sua versão da "sharia", a lei islâmica, é castigado fisicamente.
No Mali, domingo 29 de julho, salafistas pegaram um casal que teve um filho fora do casamento, enterraram os dois até o pescoço e os mataram a pedradas. Eles já têm espancado cristãos, destruído seus mausoléus e também destruído locais históricos do próprio islamismo que para eles não seja o "islamismo correto". Qualquer um que não obedeça sua versão da "sharia", a lei islâmica, é castigado fisicamente.
Sabe-se muito bem que no
Egito, cristãos coptas são espancados há muito tempo e não têm os mesmos
direitos civis que os muçulmanos. Por que os inteligentinhos de plantão da
sensibilidade cultural não montam uma agência especial de direitos humanos para
os cristãos? Que tal propor um jogo de futebol entre muçulmanos e cristãos no
Egito para ensinar a "sensibilidade cultural" à maioria muçulmana lá?
Recentemente ouvi relatos
antropológicos interessantes acerca de um país importante do golfo Pérsico.
País que já ocupou várias vezes a mídia internacional em destaque.
Lá, mulheres estrangeiras (filipinas,
paquistanesas) que buscam trabalho são constantemente violentadas por seus
patrões e espancadas pelas suas patroas. Muitas vezes mortas. Todo mundo sabe
(o país é minúsculo), mas não importa, porque a população local tem mais
direitos dos que os estrangeiros.
Quer um exemplo: você pode
trabalhar lá a vida inteira e nunca terá direito de comprar uma propriedade
para você. Seu passaporte fica retido na mão do seu empregador, e se ele não
quiser te dar quando você pedir, se você não achar alguém da população natural
local que interceda a seu favor, você poderá não conseguir sair do país. Se
você bater num carro de um cidadão natural do país, você nunca terá razão.
Todo mundo sabe que em países
desta região, tocar num muçulmano é considerado ilegal. Você poderá ser preso
ou deportado se alguém reportar que você tocou um dos seres
"sagrados" naturais da terra. Experimente converter um deles. Cadeia
na certa. Que insensibilidade cultural, não?
Título e Texto: Luiz Felipe Pondé, Folha de S. Paulo
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