Um ministro de Estado ou do
Supremo continua a ser uma autoridade mesmo tomando um Chicabon ou dando pipoca
aos macacos. Imaginem, então, com um copo na mão!
Reinaldo Azevedo
Contam-me uma cena
interessante. O poderoso estava no Piantella, o restaurante dos poderosos de
Brasília, de propriedade de Kakay — o advogado Antonio Carlos de Almeida
Castro, que defende um dos mensaleiros —, e, num dado momento, já tomado pelo
espírito do álcool, anunciou: “Aqui eu sou eu, não sou autoridade”. Não
obstante, o carro oficial o esperava na porta, com seguranças. Um homem público
tem direito a uma vida privada? Claro que sim! Mas menos do que qualquer um de
nós, que não temos poder nenhum. Não somos operadores de políticas de estado,
não somos operadores da lei, não representamos um conjunto de pessoas, não
encarnamos as prerrogativas de um Poder, não nos oferecemos, enfim, para ser
notáveis da República.
Um ministro do Supremo deixa
de sê-lo porque está numa festa? Não! Ele é um ministro do Supremo numa festa.
Um ministro do Supremo que toma uma taça de champanhe é um ministro do Supremo
a que se agregou uma taça de champanhe. Um ministro de estado que toma duas
taças de champanhe é um ministro de estado a que se agregaram duas taças de
champanhe. Um senador que toma dez taças de champanhe é um senador a que se
agregaram dez taças de champanhe, além de representar um risco para a reputação
da instituição a que pertence.
Sem essa! Os 11 do STF — já
que somos 190 milhões — têm, sim, de ser exemplos de retidão e de virtude (e
peço perdão pelas palavras antigas, fora de moda…). Espera-se deles que se
comportem com decoro. Não! Exige-se deles tal conduta. Até porque continuam, na
festa ou no recôndito do lar, a gozar de benefícios especiais, não é?, que lhes
confere a República — esta, afinal, é ciente do seu papel e de sua importância.
É claro que estou me referindo
a José Antonio Dias Toffoli e aos episódios lamentáveis envolvendo o jornalista Ricardo Noblat. Este não precisa da minha defesa, é evidente. Tem a sua própria
página para escrever o que achar que deve. Não é homem público. Se alguém se
desagrada do que ele escreve ou faz, basta não acessar mais o seu blog. E
pronto! O mesmo vale pra mim! “Ah, esse Reinaldo aí…” E pimba! Pode até vir um
daqueles palavrões com que o ministro brindou o jornalista. Basta não me ler, e
fica tudo certo!
Com Toffoli e com qualquer
outra autoridade da República, a coisa é diferente. Não podemos nos livrar
deles ainda que queiramos. Não dependem da nossa vontade para estar onde estão.
Sim, encontram-se inseridos na ordem democrática; também derivam da
representação — Lula, eleito pelo povo, indicou Toffoli para o cargo, e ele
teve o nome aprovado por senadores, que também passaram por processo eletivo.
Mas é evidente que cada um de nós não pode eliminar a autoridade, assim como um
leitor decide dar um pé no traseiro de Noblat ou de Reinaldo. Ainda que a gente
não queira mais saber de Toffoli — ou de qualquer outro —, eles continuarão a
ser quem são. E justamente porque derivam do processo de representação, sagrado
na democracia, estão obrigados a um decoro, sim!, também na vida privada.
Em parte, e vou repetir a
crítica que já fiz aqui, a imprensa é culpada por isso. Anotem aí: não existe
nada parecido com Brasília em democracia nenhuma do mundo. Barack Obama gosta
de se referir a “Washington” como uma espécie de ilha de fantasia da
burocracia, mas é evidente que o centro do poder nos EUA está a léguas de
distância, nos costumes, do que se vê ali no meio do cerrado. Sabem quando se
vão encontrar numa mesma festa, numa feijoada, num casamento ou num convescote
um ministro da Suprema Corte e um advogado que tenha apresentado uma petição a
esta mesma corte? NUNCA! Curiosamente, também estava presente Sepúlveda
Pertence, o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da
República.
O que estou a lhes dizer é que
se respira um ambiente ético em Brasília que é único no mundo. E a imprensa, de
maneira geral, tem se negado — com as exceções de sempre — a retratar esse
ambiente. Porque muitos de nós, os jornalistas, frequentamos esses lugares para
conversar, colher informações, saber dos bastidores — alguns vão mesmo é se
esbaldar, claro! Ocorre que, muitas vezes, a própria existência do evento e as
personagens que o abrilhantam são a notícia.
“Ah, então você acha que
jornalista pode falar com quem bem entender, mas não um ministro de estado, um
ministro do Supremo, um juiz?” Sim, é exatamente isso o que eu acho! Escolheram
ser homens de estado; escolheram nos representar. Nos EUA, como é público e
notório, o político perde o direito à privacidade de que desfruta o homem
comum. Por aqui, a franja ética é tão extensa que tudo, no fim das contas,
acaba sendo permitido. Só vira notícia aquele que é flagrado com a mão no
cofre. Ocorre que essa mão no cofre é uma consequência da falta mais geral de
decoro e de limites.
Lembro que Lula se zangou
quando resolveram noticiar os negócios supostamente privados de Lulinha, o seu
“Ronaldinho” dos negócios. Segundo ele, tentaram avançar na vida particular do
rapaz. Então vamos ver: a Gamecorp recebeu uma dinheirama da então Telemar
(hoje Oi), uma concessionária de serviço público, de que o BNDES, um banco
também público, era sócio. Assim como ministro da Suprema Corte nos EUA jamais
se confraternizaria com quem tivesse apresentado uma petição ao tribunal, o
filho de um presidente jamais faria negócio com uma empresa com essas
características.
Para encerrar
Encerro lembrando um caso exemplar de como, na política, a vida privada e a vida pública devem estar unidas o bastante para que uma sirva de referência à outra e devem estar separadas o bastante para que uma não sirva para alavancar a outra. Às vésperas na nomeação de Toffoli, eu lhes contei aqui esta história.
Encerro lembrando um caso exemplar de como, na política, a vida privada e a vida pública devem estar unidas o bastante para que uma sirva de referência à outra e devem estar separadas o bastante para que uma não sirva para alavancar a outra. Às vésperas na nomeação de Toffoli, eu lhes contei aqui esta história.
Em 2007, o então presidente
dos EUA indicou Harriet Miers, 60 anos, para a Suprema Corte. Formada em
matemática e direito, era conselheira jurídica da Casa Branca, chefiava um
escritório de advocacia de 400 pessoas e era tida como uma das profissionais mais
influentes do país em sua área. Só que havia um problema: em 1994, enquanto
Toffoli era advogado de Lula aqui, Harriet era advogada de Bush, então
governador do Texas. Quando ele fez menção de nomeá-la para a corte, a grita
nos EUA foi tal — INCLUSIVE DOS REPUBLICANOS — que o presidente americano foi
obrigado a retirar a sua indicação. Como as coisas por lá funcionam de outro
modo, Harriet pediu demissão também da função de conselheira. A imprensa não
perdoou: considerou simplesmente inaceitável, embora não fosse ilegal, que uma
ex-advogada do presidente fosse parar no cargo mais alto do Judiciário
americano. Sim, ela era qualificada, mas ficaria parecendo ação entre amigos, e
uma República repudia isso.
Entenderam? No Brasil, o
ex-advogado do PT, ex-advogado de Lula, ex-subordinado de José Dirceu, ex-sócio
do escritório que teve três mensaleiros como clientes e atual companheiro
estável da advogada de um mensaleiro não vê motivos para se declarar impedido
de participar do julgamento.
O país não tem as mazelas que
tem por acaso. Não! Não é por culpa desse ou daquele em particular, mas da
tolerância com a lambança. Lembrei, então, naquela oportunidade que Banânia
entrou no século 19 como a maior economia das Américas. Entre 1800 e 1900, seu
PIB passou a ser um décimo do PIB dos EUA. Por quê? Porque fomos criando, como
nação, instituições ruins. Elas nos empobrecem ou tornam nossas vantagens
irrelevantes.
O maior crime dos petistas não
foi o escândalo do mensalão, dos aloprados ou sei lá o quê. O maior crime do PT
foi e é tentar transformar essa sem-vergonhice numa categoria política e numa
categoria de pensamento de… resistência! E nada escapa, como se nota, à sua
fúria destruidora.
Texto: Reinaldo Azevedo, 14-8-2012
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