quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Duas questões fundamentais

Vitor Bento
Para permanecer no euro, teremos que nos habituar a viver os próximos 25 anos, pelo menos, com excedentes primários. E a questão é esta: conseguirá o sistema político ajustar-se a esta necessidade?

Os países que estavam habituados a depender dos mecanismos redistributivos da inflação (via ilusão monetária), para rectificar as inconsistências distributivas resultantes das escolhas feitas nos seus fóruns políticos e sociais, não estão preparados para conviver com um regime monetário hostil à inflação, como é o do euro. Se não conseguirem adaptar os mecanismos deliberativos daqueles fóruns à produção de escolhas consistentes com as exigências daquele regime, estarão inapelavelmente condenados ao empobrecimento enquanto nele permanecerem.

Portugal, por exemplo, enfrentou - nas décadas de 70 e 80 - duas crises de balança de pagamentos (i.e., de bloqueio do financiamento externo), originadas, como a actual, por excessos de despesa interna e perda de competitividade da economia. Para as debelar, teve que pôr em prática duros programas de austeridade que envolveram, entre outras medidas, cortes salariais e de pensões. Só que esses cortes, em vez de transparentemente assumidos, foram feitos subrepticiamente através da inflação, explorando a ilusão monetária dos beneficiários, que, passando a receber realmente menos, foram levados pela aparência de receberem nominalmente mais; e sem que alguém se preocupasse com a sua legalidade. Ou antes: sem que a legalidade se preocupasse com eles!

Com a adesão ao euro, os artifícios inflacionários deixaram de ser possíveis e os ajustamentos, com os cortes que envolvem, têm de ser feitos de forma transparente. O que, entre outras consequências, passou a suscitar dúvidas de legalidade (nunca existentes quando se tratou de usar a inflação como seu executor). Isto porque a legalidade (e sobretudo a sua interpretação) se centra nas aparências - valores nominais - e descura a realidade - valores reais. Toma, aliás, as aparências por realidade.

Daqui decorre uma das questões fundamentais para o nosso futuro colectivo e a que, por isso, colectivamente teremos de dar a resposta. Que é a de saber se conseguirá a legalidade, e a sua interpretação, adaptar-se aos requisitos do regime monetário da moeda única em que o País escolheu participar; ou se acabará essa participação por ser inviabilizada pela rigidez da legalidade doméstica e/ou da sua interpretação.

Outra questão, também fundamental, é a que se prende com o que já aqui chamei de "modelo de negócio do regime", mas que, mais prosaicamente, se pode designar como a sustentabilidade financeira do Estado.
No início do actual regime político, a dívida pública era de 15% do PIB e actualmente é da ordem dos 130%. Mas, se se contar com as receitas de privatizações, entretanto dissipadas, e os cerca de 40% do PIB que a inflação dos anos 70 e 80 (juntamente com a repressão financeira então vigente) "limparam" ao valor real da dívida (à custa dos credores nacionais e dos detentores de moeda), chega-se a um valor comparável (com a base de partida) da ordem dos 200% do PIB.

Este modelo - gastar por conta do futuro - está pura e simplesmente esgotado e é inviável dentro do euro. Só o regresso a um regime inflacionário (com moeda própria), que possa voltar a espoliar os credores nacionais e os detentores de moeda, permitirá ao Estado continuar a gastar mais do que tem.
Para permanecer no euro, teremos, pois, que nos habituar a viver os próximos 25 anos, pelo menos, com excedentes primários. E a questão é esta: conseguirá o sistema político ajustar-se a esta necessidade (ou seja, conseguirão, políticos e eleitores, adaptar o seu "quadro mental" a esta nova realidade); ou acabar-se-á por optar pela saída do euro para poder tornar às "ilusionisses" da inflação?
Título e Texto: Vitor Bento, Diário Económico, 18-9-2013

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