Para permanecer no euro, teremos que nos habituar a viver os próximos
25 anos, pelo menos, com excedentes primários. E a questão é esta: conseguirá o
sistema político ajustar-se a esta necessidade?
Os países que estavam
habituados a depender dos mecanismos redistributivos da inflação (via ilusão
monetária), para rectificar as inconsistências distributivas resultantes das
escolhas feitas nos seus fóruns políticos e sociais, não estão preparados para
conviver com um regime monetário hostil à inflação, como é o do euro. Se não
conseguirem adaptar os mecanismos deliberativos daqueles fóruns à produção de
escolhas consistentes com as exigências daquele regime, estarão inapelavelmente
condenados ao empobrecimento enquanto nele permanecerem.
Portugal, por exemplo,
enfrentou - nas décadas de 70 e 80 - duas crises de balança de pagamentos
(i.e., de bloqueio do financiamento externo), originadas, como a actual, por
excessos de despesa interna e perda de competitividade da economia. Para as
debelar, teve que pôr em prática duros programas de austeridade que envolveram,
entre outras medidas, cortes salariais e de pensões. Só que esses cortes, em
vez de transparentemente assumidos, foram feitos subrepticiamente através da
inflação, explorando a ilusão monetária dos beneficiários, que, passando a
receber realmente menos, foram levados pela aparência de receberem nominalmente
mais; e sem que alguém se preocupasse com a sua legalidade. Ou antes: sem que a
legalidade se preocupasse com eles!
Com a adesão ao euro, os
artifícios inflacionários deixaram de ser possíveis e os ajustamentos, com os
cortes que envolvem, têm de ser feitos de forma transparente. O que, entre
outras consequências, passou a suscitar dúvidas de legalidade (nunca existentes
quando se tratou de usar a inflação como seu executor). Isto porque a
legalidade (e sobretudo a sua interpretação) se centra nas aparências - valores
nominais - e descura a realidade - valores reais. Toma, aliás, as aparências por
realidade.
Daqui decorre uma das questões
fundamentais para o nosso futuro colectivo e a que, por isso, colectivamente
teremos de dar a resposta. Que é a de saber se conseguirá a legalidade, e a sua
interpretação, adaptar-se aos requisitos do regime monetário da moeda única em
que o País escolheu participar; ou se acabará essa participação por ser
inviabilizada pela rigidez da legalidade doméstica e/ou da sua interpretação.
Outra questão, também
fundamental, é a que se prende com o que já aqui chamei de "modelo de
negócio do regime", mas que, mais prosaicamente, se pode designar como a
sustentabilidade financeira do Estado.
No início do actual regime
político, a dívida pública era de 15% do PIB e actualmente é da ordem dos 130%.
Mas, se se contar com as receitas de privatizações, entretanto dissipadas, e os
cerca de 40% do PIB que a inflação dos anos 70 e 80 (juntamente com a repressão
financeira então vigente) "limparam" ao valor real da dívida (à custa
dos credores nacionais e dos detentores de moeda), chega-se a um valor
comparável (com a base de partida) da ordem dos 200% do PIB.
Este modelo - gastar por conta
do futuro - está pura e simplesmente esgotado e é inviável dentro do euro. Só o
regresso a um regime inflacionário (com moeda própria), que possa voltar a
espoliar os credores nacionais e os detentores de moeda, permitirá ao Estado
continuar a gastar mais do que tem.
Para permanecer no euro,
teremos, pois, que nos habituar a viver os próximos 25 anos, pelo menos, com
excedentes primários. E a questão é esta: conseguirá o sistema político
ajustar-se a esta necessidade (ou seja, conseguirão, políticos e eleitores,
adaptar o seu "quadro mental" a esta nova realidade); ou acabar-se-á
por optar pela saída do euro para poder tornar às "ilusionisses" da
inflação?
Título e Texto: Vitor Bento, Diário Económico, 18-9-2013
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