sábado, 13 de junho de 2015

Desde que a indústria cervejeira deixou de estar nacionalizada…

que não se vivia um dia tão triste em Portugal como este em que foi decidida a venda da TAP.
Helena Matos

A TAP é a última gesta de um país que não se vende, que não verga e em que a realidade não passa de um tigre de papel face à nossa vontade. E a nossa vontade é que Portugal seja o nosso Portugalzinho, com a nossa TAP, a nossa CIMPOR, as nossas cidades cheias de mercearias, drogarias e lojas de roupa que fecham à hora do almoço, o nosso Metro que não é o de Moscovo mas que gostava de ser e o nosso Grupo Espírito Santo que a bem dizer nem se distinguia do regime.

Este nosso Portugalzinho aconchegadinho onde todas as empresas têm o seu amparosinho não é socialista, nem comunista, nem social-democrata. É simplesmente o filho do mais português de todos decretos, essa espécie de Malhoa legislativo, o 474/75, emanado pelo Ministério da Indústria e Tecnologia que a 30 de Agosto de 1975 nacionalizou a indústria cervejeira em nome “de uma política económica posta ao serviço das classes trabalhadoras e das camadas mais desfavorecidas da população”.

Em 1975, os portugueses bebiam cerveja sem qualquer problema, a cerveja era produzida sem qualquer dificuldade, o sector, no dizer do texto do decreto, era “altamente lucrativo” mas no Portugalzinho de 1975, tal como no de 2015, um negócio não se legitima simplesmente por correr bem. Em 1975 nacionalizava-se. Em 2014 não se nacionaliza mas é-se contra as privatizações. E em 1975 como em 2015 qualquer actividade económica tem de estar social e ideologicamente contextualizada. Em primeiro lugar seja o que for tem de dizer estar ao serviço das camadas mais desfavorecidas (esta visão bolo de bolacha da sociedade faz-me alguma confusão mas é o que há e garante logo vários milhões em benefícios fiscais).

Tem de servir para alavancar a economia nacional (aqui vão mais outros milhões e uma PPP). Tem de integrar uma visão estratégica para o país (frase que ao certo ninguém sabe o que quer dizer mas que é obrigatória em todo e qualquer projecto). Tem de promover uma abordagem dinamizadora da lusofonia (aqui o negócio está garantido mesmo que não se produza nem um alfinete) … Enfim das cervejas em 1975 à TAP em 2015 no Portugalzinho uma empresa até pode não fazer nada, anunciar uma greve para uma época em que compromete os interesses de milhares de portugueses. Desde que cumpra todos os outros requisitos sociais, ideológicos e culturais tem o invejável estatuto de bem de interesse nacional. Com as suas petições e os seus notáveis que infelizmente só sabem usar a sua notabilidade para nos dizer que temos de pagar isto e aquilo e nunca por nunca por ser abrem os cordões às suas bolsinhas e compram ou simplesmente utilizam aquilo que nos mandam pagar. Em nome da pátria deles. O Portugalzinho.

O que não entendo é como dormem descansados os notáveis sabendo que outros sectores estratégicos para a nossa soberania estão entregues à cupidez e desordem do capital sem que ninguém se inquiete com isso. Por exemplo, já pensaram nos riscos para as nossas vidas decorrentes da total entrega ao sector privado das agências funerárias? Não é aceitável que um sector tão importante (em boa verdade o único serviço de que garantidamente vamos precisar na vida porque mesmo nascer pode acontecer em qualquer lugar) esteja nas mãos de privados. A vida de uma pessoa não tem preço e a morte também não devia ter. Um serviço público mortuário, além de acabar com esse simbolismo do preço da morte permitiria desenvolver novas valências, como o acompanhamento psicológico obrigatório para os familiares do defunto.

E os supermercados? Só uma sociedade completamente alienada permite que o abastecimento das populações esteja nas mãos de privados. Por exemplo, se o senhor Belmiro mais o senhor Soares dos Santos resolverem que não nos vendem mais arroz carolino porque acham que devemos é comer salada de rúcula com queijo de cabra? Aliás esta entrega do comércio alimentar aos grupos económicos é também responsável pelos desequilíbrios alimentares: já viram a localização estratégica dos expositores de bolachas? O Estado deve rapidamente recuperar o modelo das cooperativas e dos postos da Junta Nacional das Frutas e garantir aos cidadãos que, seja em que circunstâncias for, não estão dependentes dos caprichos dos grupos financeiros para conseguirem ter macarrão na mesa.

Temos também as livrarias. Como é possível que as livrarias portuguesas tenham de enfrentar a concorrência dos grandes grupos internacionais e até da Amazon? Enfim é que se a TAP enquanto empresa pública é vital para defender a língua portuguesa o que dizer das livrarias portuguesas? E naturalmente não podemos esquecer o calçado pois não só a possibilidade de andarmos com sandálias alemãs é uma coisa capaz de reduzir para níveis irrecuperáveis a nossa taxa de natalidade como temos de ter em conta que um sector que entregue a si mesmo cresceu com a crise é demasiado importante para ser deixado ao livre arbítrio dos empresários.

Depois da TAP outras lutas se seguirão. Que o Portugalzinho não pode esperar. 
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 12-6-2015

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