que não se vivia um dia tão
triste em Portugal como este em que foi decidida a venda da TAP.
Helena Matos
A TAP é a última gesta de um
país que não se vende, que não verga e em que a realidade não passa de um tigre
de papel face à nossa vontade. E a nossa vontade é que Portugal seja o nosso
Portugalzinho, com a nossa TAP, a nossa CIMPOR, as nossas cidades cheias de
mercearias, drogarias e lojas de roupa que fecham à hora do almoço, o nosso
Metro que não é o de Moscovo mas que gostava de ser e o nosso Grupo Espírito Santo
que a bem dizer nem se distinguia do regime.
Este nosso Portugalzinho
aconchegadinho onde todas as empresas têm o seu amparosinho não é socialista,
nem comunista, nem social-democrata. É simplesmente o filho do mais português
de todos decretos, essa espécie de Malhoa legislativo, o 474/75, emanado pelo
Ministério da Indústria e Tecnologia que a 30 de Agosto de 1975 nacionalizou a
indústria cervejeira em nome “de uma política económica posta ao serviço das
classes trabalhadoras e das camadas mais desfavorecidas da população”.
Em 1975, os portugueses bebiam
cerveja sem qualquer problema, a cerveja era produzida sem qualquer
dificuldade, o sector, no dizer do texto do decreto, era “altamente lucrativo”
mas no Portugalzinho de 1975, tal como no de 2015, um negócio não se legitima
simplesmente por correr bem. Em 1975 nacionalizava-se. Em 2014 não se
nacionaliza mas é-se contra as privatizações. E em 1975 como em 2015 qualquer
actividade económica tem de estar social e ideologicamente contextualizada. Em
primeiro lugar seja o que for tem de dizer estar ao serviço das camadas mais
desfavorecidas (esta visão bolo de bolacha da sociedade faz-me alguma confusão
mas é o que há e garante logo vários milhões em benefícios fiscais).
Tem de servir para alavancar a
economia nacional (aqui vão mais outros milhões e uma PPP). Tem de integrar uma
visão estratégica para o país (frase que ao certo ninguém sabe o que quer dizer
mas que é obrigatória em todo e qualquer projecto). Tem de promover uma
abordagem dinamizadora da lusofonia (aqui o negócio está garantido mesmo que
não se produza nem um alfinete) … Enfim das cervejas em 1975 à TAP em 2015 no
Portugalzinho uma empresa até pode não fazer nada, anunciar uma greve para uma
época em que compromete os interesses de milhares de portugueses. Desde que
cumpra todos os outros requisitos sociais, ideológicos e culturais tem o
invejável estatuto de bem de interesse nacional. Com as suas petições e os seus
notáveis que infelizmente só sabem usar a sua notabilidade para nos dizer que
temos de pagar isto e aquilo e nunca por nunca por ser abrem os cordões às suas
bolsinhas e compram ou simplesmente utilizam aquilo que nos mandam pagar. Em
nome da pátria deles. O Portugalzinho.
O que não entendo é como
dormem descansados os notáveis sabendo que outros sectores estratégicos para a
nossa soberania estão entregues à cupidez e desordem do capital sem que ninguém
se inquiete com isso. Por exemplo, já pensaram nos riscos para as nossas vidas
decorrentes da total entrega ao sector privado das agências funerárias? Não é
aceitável que um sector tão importante (em boa verdade o único serviço de que
garantidamente vamos precisar na vida porque mesmo nascer pode acontecer em
qualquer lugar) esteja nas mãos de privados. A vida de uma pessoa não tem preço
e a morte também não devia ter. Um serviço público mortuário, além de acabar
com esse simbolismo do preço da morte permitiria desenvolver novas valências,
como o acompanhamento psicológico obrigatório para os familiares do defunto.
E os supermercados? Só uma
sociedade completamente alienada permite que o abastecimento das populações
esteja nas mãos de privados. Por exemplo, se o senhor Belmiro mais o senhor
Soares dos Santos resolverem que não nos vendem mais arroz carolino porque
acham que devemos é comer salada de rúcula com queijo de cabra? Aliás esta
entrega do comércio alimentar aos grupos económicos é também responsável pelos
desequilíbrios alimentares: já viram a localização estratégica dos expositores
de bolachas? O Estado deve rapidamente recuperar o modelo das cooperativas e
dos postos da Junta Nacional das Frutas e garantir aos cidadãos que, seja em
que circunstâncias for, não estão dependentes dos caprichos dos grupos
financeiros para conseguirem ter macarrão na mesa.
Temos também as livrarias.
Como é possível que as livrarias portuguesas tenham de enfrentar a concorrência
dos grandes grupos internacionais e até da Amazon? Enfim é que se a TAP
enquanto empresa pública é vital para defender a língua portuguesa o que dizer
das livrarias portuguesas? E naturalmente não podemos esquecer o calçado pois
não só a possibilidade de andarmos com sandálias alemãs é uma coisa capaz de
reduzir para níveis irrecuperáveis a nossa taxa de natalidade como temos de ter
em conta que um sector que entregue a si mesmo cresceu com a crise é demasiado
importante para ser deixado ao livre arbítrio dos empresários.
Depois da TAP outras lutas se
seguirão. Que o Portugalzinho não pode esperar.
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