Maria João Avillez
A troça e o desdém podem ser
assassinos: quem sofreu sacrifício dispensa ser altivamente apelidado de
estúpido e quem vê chegar o barco a porto ameno também dispensa ser troçado por
ter entrado nele.
Apesar dos recentes e muito
consideráveis esforços do PS para surgir ao país como um todo responsável e uma
tribo moderada, julgo que as coisas pelo Rato serão até ao último minuto, na
última urna de voto, mais pesadas do que podem parecer ao primeiro relance. E
que a empreitada pode ser mais espinhosa do que o enlevo com que é lançada ao
ar do país pelos arautos socialistas, co-pilotados por uma generosa media.
Sucede justamente que o PS não
é um só “todo”. Bem pelo contrário. O que exige ao seu chefe um extenuante –
porque permanente – cálculo do que pode dizer hoje a uns e amanhã aos outros:
há uma sinuosidade visível em medidas, intenções, decisões, objectivos:
avançam, recuam, ficam entre-parêntesis, estão em banho de Maria ou, pura e
simplesmente, somem-se. Nada está totalmente “aberto”, nem “decidido”,
nem“fechado”: tudo pode ser revisto, mexido, alterado, modificado.
Compreende-se o ensejo. Há que tirar uma (impossível?) bissectriz entre o que
recomenda a responsabilidade de quem por lá sabe fazer contas e o que reclama a
irresponsabilidade excitada dos primos do Syriza que não aprendem nem esquecem.
Ter de satisfazer – e segurar
– gregos e troianos não será o melhor nem o mais confiável dos programas políticos.
Com o Syriza, é certo, ainda foi o menos: o líder socialista transformou
convenientemente o fervor de ontem em ex-fervor, apelidando-os hoje de
“loucos”, mas todos estamos lembrados da exaltação socialista com aqueles
rapazes gregos que iriam (salvificamente) levantar a voz a Berlim nos palcos da
UE. O pior é que há temas que não podem ser tão expeditamente aviados, ficando
por isso diante da plateia do país, a pairar numa hesitante polka entre o que é
para ficar e o que é para sair, num sempre inconcreto caderno de encargos. Dir-se-á
que há tempo para o concretizar. Haver há, mas até lá, até o tempo se esgotar,
a sinuosidade de razões e comportamentos do PS desconvence mais que convence. (Certo,
certo, é o que não devia sê-lo: os anúncios de marcha atrás em decisões que têm
a ver com o interesse nacional e que surgem mais como amuos ressentidos com a
coligação do que como uma sólida soma de argumentos. Mas as consequências para
o país, essas sim, seriam solidíssimas).
A propósito de amuos, também
não estou certa que o permanente fechamento do PS a atender a alguma coisa, que
venha do seu lado direito, receba o entusiástico aplauso do país. Como os
portugueses não são parvos, seria porventura mais avisado não fazer deles tão
parvos: bombardeando-os até a exaustão sobre as infelicidades infligidas pela
coligação, a total inutilidade dos sacríficios que suportaram ou o erro da
“dieta” a que foram submetidos. Como muito bem “viu” João Taborda da Gama em
recente artigo, “acima de tudo (os portugueses) não querem ouvir que a dieta
foi em vão”. E como o “povo” também não é cego, não vai ser possível continuar
a esconder-lhe alguns bons algarismos económicos, algumas boas notícias, alguns
resultados simpáticos, embora permanentemente desmentidos pelo PS ou pior,
incessantemente troçados pelos dirigentes socialistas.
A troça e o desdém nunca se se
recomendaram e politicamente podem ser assassinos: quem sofreu sacrifícios
dispensa bem ser altivamente apelidado de estúpido e quem vê chegar o barco a
porto mais ameno também dispensa ser troçado por ter conseguido entrar nas suas
águas.
2 – Quem diria que haveria
nuvens no céu socialista que a esta hora deveria ser claro, limpo e aberto?
Quem negaria que um líder que chegou há pouco e incólume daquelas sempre
grandes maçadas de “liderar a oposição”; que nunca teve que enfrentar Passos
Coelho no Parlamento; que se pôde dar ao luxo de ignorar a troika e os seus
capatazes; que nunca teve de tomar qualquer “pé” em nada que ocorresse no seu
partido nem no país, fora, bem entendido, do perímetro da Câmara de Lisboa; que
aterrou no PS quando quis, sem absolutamente nenhum entrave à sua frente e com
um partido rendido aos seus pés (ainda está?) não estava hoje no pelotão da
frente a correr distanciadíssimo dos outros? Ou quem apostaria que, com a
coligação ainda para mais em maré baixa de discurso politico (falta-lhes
ambição, desafio, energia, futuro), o horizonte socialista não era, já rosa
vivo?
É que mesmo sabendo que a
palavra “mudança” pode ter mel e funcionar como um imã, atraindo e prendendo,
a caminhada do PS, independentemente do resultado que Outubro trouxer, não me
parece que se adivinhe fácil e fluida até à meta como (nos) a pintam. E haveria
ainda que evocar porventura a pior nuvem que parece estacionada sobre o
partido: uma espécie de folgada negligência que sempre caracteriza o PS quando
se trata de recursos, em português corrente de…. dinheiro. O dos outros. Apesar
do respeito ou simpatia – é conforme os casos – que me merecem alguns dos
economistas do Largo do Rato, como acolher racionalmente aquelas previsões
macro-económicas? Como não tremer face aos pressupostos onde se baseiam as
“ideias” para Segurança Social? Que pensar daquela fé em que um futuro e
duvidosíssimo “consumo” seja o inquestionável combustível do crescimento?
(atenção, consumo esse que a ocorrer será, não se duvide, maioritariamente
feito à base de importações?); Ou de algumas das “generosidades” prometidas com
a voz firme e a atitude segura de quem se propõe liderar uma pátria pobre que
milagrosamente ficará rica e um país sem meios financeiros que subitamente se
encontrará pródigo deles? Que se saiba nem António Costa nem os seus pares têm
uma secreta varinha mágica ou contactos, mesmo que intermitentes, com magos ou
ilusionistas. Ou terão?
É que as dúvidas que acima
expus não são de somenos. Trata-se do país e não de uma quermesse partidária.
São coisas que pesam. Fazem pensar, perturbam as expectativas, interferem nas
decisões. Escolher não pode ser de borla e o pior que podia acontecer a Portugal
era acreditar na ilusão de um regresso à vida que se levava.
P.S.: Numa coisa estou porém
em franca concordância com estes meus amigos: eu também teria apreciado que o
Governo – mesmo decidido a manter a”sua” – tivesse conversado com a oposição socialista
sobre a futura liderança do Banco de Portugal. Possivelmente se eu dissesse
isto mesmo a alguém do poder, vinham-me com o argumento do “eles não querem
nada, dizem sempre não a tudo”.
O que sendo absolutamente verdade não deveria impedir que mesmo assim o primeiro-ministro tivesse conversado com o PS. Ficaria o gesto e os gestos quase sempre contam. Na política e fora dela.
O que sendo absolutamente verdade não deveria impedir que mesmo assim o primeiro-ministro tivesse conversado com o PS. Ficaria o gesto e os gestos quase sempre contam. Na política e fora dela.
Título e Texto: Maria João Avillez, Observador, 1-6-2015
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