Ela cometeu um crime hediondo. No entanto,
pode não ser uma pessoa hedionda. Pode ter sido levada ao limite.
Marta Gonçalves Miranda
Não há qualquer dúvida de que
o crime cometido pela mulher de 22 anos, agora detida, foi hediondo. Começo por
frisar isto muito bem porque sei que haverá sempre alguém neste mundo a achar
que eu concordo com o que ela fez. Não concordo que se faça isto aos animais,
quanto mais a um bebé. O crime que ela cometeu — porque é essa a palavra certa,
crime — é hediondo, os indícios de prática de homicídio qualificado são fortes
e é absolutamente dramático que isto tenha acontecido.
Fiquei tão chocada como
qualquer outra pessoa com as notícias que saíram sobre este tema. Uma mulher de 22 anos deu à luz e enfiou o filho, ainda com restos do cordão umbilical, dentro de um ecoponto. A criança só sobreviveu porque um homem a
ouviu chorar. Não tinha uma única peça de roupa, foi abandonado para morrer.
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O INEM divulgou nesta
quarta-feira uma imagem do momento em que o bebé é socorrido. Foto: Instagram
INEM
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Não consigo sequer imaginar
o que sentirá esta criança no dia em que souber que a mãe, aquela que lhe deu
vida, pegou no seu frágil corpo e o meteu no lixo. Não o deixou à porta de
um hospital, numa corporação de bombeiros, nada. Meteu-o no lixo, na esperança
que morresse e o seu sufoco por ter um filho, seja ele qual fosse, terminasse.
O sentimento de rejeição pode vir a ser avassalador um dia. Não consigo sequer
pensar como é que ele vai lidar com isso para o resto da vida.
Esta mulher de 22 anos cometeu
um crime. Mas na era das redes sociais, somos tão rápidos a julgar e a criticar
o outro que nos esquecemos que o mundo não é a preto e branco. Era fácil se
assim fosse, mas não é — e as pessoas em particular não podem ser categorizadas
dessa maneira porque, infelizmente, somos demasiado complexos para isso.
Ela cometeu um crime, sem
dúvida. Só que eu recuso-me a chamar-lhe monstro. Cometeu um ato monstruoso?
Sim. É um monstro? Não sei. Não faço a menor ideia, e vocês também não. Não
fazemos a menor ideia do que passava na sua mente no momento em que deu à luz.
Ainda sabemos tão pouco sobre ela — as últimas notícias dão conta de que era
sem-abrigo e que sempre negou a gravidez, dizendo que eram problemas no
intestino. É pouco, é demasiado pouco para partirmos para a condenação em
praça pública.
Somos todos ótimas pessoas
atrás de um computador. O problema é quando a vida nos leva ao limite e
cometemos atos monstruosos, daqueles que nunca julgamos ser capazes de cometer.
Eu não me consigo imaginar a meter um filho no lixo, claro que não. Mas
recuso-me a atirar esta mulher para a fogueira antes de saber em que condições
psicológicas se encontrava. Ela pode ser um monstro. Ou pode ser uma mulher
altamente perturbada que precisa de ajuda.
Este ponto deixou muita gente
revoltada na página de Facebook da MAGG esta semana. A jornalista Filipa Novais
falou com uma psicóloga para tentar perceber o que leva um indivíduo a livrar-se de um filho assim
— na altura ainda não se sabia que tinha sido uma mulher, mas a especialista referiu
condições específicas do sexo feminino que poderiam levar a que isto
acontecesse.
“A maior parte das vezes isto
não acontece por um ato de maldade”, disse à MAGG a psicóloga Júlia Machado. “A
maioria das mulheres que cometem este ato encontram-se uma situação de medo ou
de pânico”. Estão a atravessar um período de grande dor emocional, podem
não conseguir aceitar a gravidez por ser fruto de uma violação, podem estar em
depressão profunda.
Júlia Machado sabe que o mundo
não se divide em pessoas más e pessoas boas — excelentes pessoas podem cometer
atos horríveis, da mesma forma que pessoas más podem protagonizar atos de puro
altruísmo. Só que atrás desta caixinha mágica, somos todos superiores, somos
todos magnânimos e somos todos juízes.
“Nem os animais abandonam as
crias”, disseram muitos leitores. Em primeiro lugar, isso não é verdade — é de
conhecimento geral que muitas espécies abandonam as crias mais fracas. Mas não
vou perder tempo a explicar isto porque, vá lá, nós não somos animais irracionais,
somos seres humanos. Querem discutir se os animais são melhores do que nós? Não
vale a pena, concordo convosco. Em muitas situações, são. Mas nós não somos
iguais, portanto, não podemos comparar-nos.
Não condenem. Não atirem
pedras e condenem à forca esta mulher antes de saberem exatamente o que é que
aconteceu. Ela cometeu um crime hediondo, repito. No entanto, pode não ser
uma pessoa hedionda. Pode ter sido levada ao limite.
E sim, pode precisar de ajuda.
Título e Texto: Marta
Gonçalves Miranda, MAGG, Observador, 8-11-2019
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