Carlos Guimarães Pinto
Mais uns anos e ninguém distinguirá
Portugal de uma qualquer autocracia da Ásia Central: um país maioritariamente
miserável com uma fachada de luxo na capital.
Na mesma semana em que se
soube que maternidade de Castelo Branco está em risco de fechar, ficamos também
a saber que está a ser planeado já para esta legislatura algo que o país
suspirava há muito: um pavilhão do gelo em Lisboa.
O leitor medianamente
informado certamente não saberá o que é um pavilhão do gelo – eu também não –
mas tendo sido anunciado num encontro com a Federão Portuguesa de Desportos de
inverno, provavelmente é um espaço para praticar todos aqueles desportos pelos
quais Portugal é sobejamente reconhecido lá fora como o ski alpino ou o
curling. Uma espécie de um frigorífico em ponto grande cujo consumo energético
certamente passará no Estudo de Impacto Ambiental de uma organização
ambientalista contratada para o efeito. Qualquer português olha para o estado
da saúde, da educação e para a carga fiscal e a primeira coisa que pensa é na
necessidade urgente de ter um sítio para praticar hóquei no gelo em julho.
Em defesa do Governo,
provavelmente esta será só mais uma promessa inconsequente feita para enganar
papalvos, desta vez os papalvos da Federação de Desportos de inverno que
trataram de recompensar a aldrabice com o prêmio de “Personalidade do Ano” ao
secretário de Estado que fez a promessa. A acontecer seria mais uma evidência
de um Governo cada vez mais focado em construir uma realidade paralela na
capital, enquanto o resto do país sofre com falta de serviços básicos.
O
Município de Lisboa gasta mais dinheiro do que sete municípios com o triplo dos
habitantes e uma área 10 vezes maior. Não é surpreendente: a concentração de
poder político em Lisboa atrai o poder económico, alimentando um ciclo vicioso
de centralismo, que depois gera todo um conjunto de receitas municipais.
Carlos
Guimarães Pinto
De resto, esta já é uma
estratégia com alguns anos. O Governo concentra investimento em Lisboa.
Portugal fica com uma capital ao nível dos países mais desenvolvidos da Europa,
enquanto o resto do país se vai deteriorando ao ponto de competir com os países
mais desenvolvidos de África.
No Twitter, um militante do
PS, Rui Teixeira, fez as contas: apresentados os orçamentos municipais, a
Câmara Municipal de Lisboa apresenta uma despesa (devidamente suportada por
receita, acrescente-se) superior aos sete municípios seguintes (Porto, Sintra,
Gaia, Cascais Loures, Braga e Amadora) juntos. Repito: o Município de Lisboa
gasta mais dinheiro do que sete municípios com o triplo dos habitantes e uma
área 10 vezes maior. Não é surpreendente: a concentração de poder político em
Lisboa atrai o poder econômico, alimentando um ciclo vicioso de centralismo,
que depois gera todo um conjunto de receitas municipais. Só para a Web Summit
este ano, a Câmara Municipal de Lisboa gastou o correspondente a meia ala
pediátrica do Hospital São João.
Claro que na hora de
beneficiar das receitas da concentração de poder, a Câmara Municipal de Lisboa
não hesita, quando chega a hora de pagar os custos dessa concentração, passa a
fatura ao Governo Central. Quando foi preciso pagar pelos novos passes sociais
cujos benefícios se concentram na Área Metropolitana de Lisboa e no concelho de
Lisboa em particular (pelo potencial de redução no tráfego automóvel dentro da
cidade), o orçamento superior a mil milhões de euros já não foi suficiente para
uma despesa de algumas dezenas de milhões.
Os contribuintes de Castelo
Branco, prestes a ficar sem maternidade, também precisaram de dar o seu
contributo.
Infelizmente, o ambiente
político não parece favorável a grandes mudanças. O centralismo vai aos poucos
roubando elites políticas econômicas e políticas ao resto do país. A única
região do país que ainda vai mantendo alguma capacidade de luta, a Área Metropolitana
do Porto, também acabará por ceder.
Temos um primeiro-ministro que
já foi presidente da Câmara Municipal de Lisboa, um Presidente da República que
foi candidato à Câmara Municipal de Lisboa e até o portuense que se alinha para
suceder a António Costa, Fernando Medina, só conseguiu atingir visibilidade
nacional como presidente da Câmara Municipal de Lisboa. No maior partido da
oposição, um dos candidatos à liderança afirmou em janeiro na conferência do
MEL que era preciso concentrar investimento público em Lisboa porque “é aí que
as pessoas vivem”.
Mais uns anos e ninguém
distinguirá Portugal de uma qualquer autocracia da Ásia Central: um país
maioritariamente miserável com uma fachada de luxo na capital onde a elite pode
fingir viver num país desenvolvido e os políticos podem mostrar um simulacro de
país desenvolvido a quem o visita.
Título e Texto: Carlos
Guimarães Pinto, Colunista convidado. Presidente da Iniciativa Liberal,
Jornal ECO, 21-11-2019
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