O
porteiro do condomínio de Bolsonaro confirma que o Jornal Nacional não tem
compromisso com a verdade
Augusto Nunes
Os primeiros segundos do
Jornal Nacional de 29 de outubro incorporaram o presidente da República ao
elenco dos envolvidos na trama que resultou na execução de Marielle Franco e de
seu motorista Anderson Gomes. Em dois depoimentos à polícia civil do Rio,
informou o apresentador, o porteiro do condomínio onde vivia Jair Bolsonaro
contara que, no dia da morte da vereadora, um dos assassinos estacionou seu
carro na entrada e pediu autorização para visitar a casa do então deputado
federal.
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Entrada do condomínio de Bolsonaro. Foto: Marcos Vidal/Futura Press/Estadão Conteúdo |
Constatado o irremovível
impedimento geográfico, um editor sensato teria poupado os espectadores da
invencionice insustentável. "Falso testemunho de porteiro tenta envolver
Bolsonaro no caso Marielle", teria informado o JN. O protagonista da
história mal contada, evidentemente, não era Bolsonaro. Era o funcionário do
condomínio que declamara duas vezes uma fantasia tão crível quanto um álibi de
Lula.
Escrevi 124 reportagens
principais da revista Veja. Jamais desperdicei títulos ou parágrafo iniciais
com inverdades. Diretor de redação de quatro jornais e três revistas, monitorei
a montagem de quase 10.000 primeiras páginas e capas. Nunca permiti que
qualquer mentira virasse manchete. Escapei de naufrágios superlativos por saber
que a soberba é uma parceira perversa, que desaconselha a partilha de decisões
com tripulantes experientes.
Se me coubesse a palavra
final, suspenderia a publicação da reportagem até decifrar o estranho
comportamento do porteiro. O diretor de Jornalismo da Globo achou que merecia
outra nota 100. Ou achava até esta terça-feira, quando se conheceu o teor do
novo depoimento prestado pelo errático guardião do condomínio. Agora ouvido
pela Polícia Federal, o informante garantiu que não aconteceu nada do que jurou
ter acontecido em dois interrogatórios.
Naquele dia, nenhum visitante
pediu autorização para dirigir-se à casa de Bolsonaro. Não houve conversa
alguma com "seu Jair". As anotações no livro de registros certamente
foram ditadas pelo cansaço mental. Tudo somado, o depoimento avisa que o Jornal
Nacional assustou o Brasil amparado numa fantasia costurada para instalar o
presidente na cena do crime.
Atropelada pela certeza de que
iludira a plateia, a Globo consultou a cartilha do jornalismo sem compromisso
com a verdade. E registrou em surdina, com a discrição de uma carmelita
descalça, a implosão da mentira que noticiou com o estardalhaço de quem torce
para que aconteça o que lhe convém.
Título e Texto: Augusto
Nunes, R7,
22-11-2019
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