José Milhazes
Comunistas e satélites só aceitam as regras
democráticas para chegarem ao poder, não para saírem dele. Se tivesse sabido
perder, talvez Evo Morales pudesse voltar por via eleitoral. Assim teve de
fugir
O marxismo-leninismo reza que
nenhum movimento social e revolução pode realizar-se e ter êxito se não
existirem condições objetivas e subjetivas para tal, mas, quando a realidade
lhe é desfavorável, a extrema-esquerda trai os seus mestres e entra na teoria
da conspiração.
O caso da queda de Evo Morales
na Bolívia é mais uma prova evidente disso. Qual a principal causa objetiva da
fuga apressada desse dirigente do seu país? Foi a descoberta de lítio ou mais
uma obra da CIA? Teriam sido “manobras da reação interna”? Claro que não. Essa
causa consistiu no facto de Evo Morales se querer transformar em mais um Fidel
Castro na América Latina e a maioria dos bolivianos não querer tal regime.
A acreditar nos dados das
Nações Unidas e de outras organizações internacionais, Morales até pode ter
contribuído para o melhoramento substancial da vida do seu povo, principalmente
dos mais desfavorecidos. Mas isso não lhe dá o direito de eternizar o seu
poder. A instabilidade política na Bolívia tem origem na violação das leis por
parte do ex-Presidente boliviano: não aceitou os resultados do referendo que
lhe impediam de recandidatar-se a mais um mandato e tentou falsificar os
resultados da eleição presidencial quando viu que o poder lhe fugia
democraticamente das mãos.
Seria ingénuo não esperar que
a oposição ficasse de braços cruzados perante um argumento tão forte para
afastar Morales do poder, ou seja, o dirigente boliviano foi o criador de
condições objetivas para a sua queda.
Quanto ao papel das massas nas
revoluções e levantamentos sociais, a falsidade na análise da extrema-esquerda
é também muito evidente. Se, no Chile, onde os cidadãos lutam pelos seus
interesses com greves e manifestações de ruas, as massas são “revolucionárias”,
porque é que, na Bolívia, as massas que protestaram contra um poder que se
tentou eternizar inconstitucionalmente são “contrarrevolucionárias”?
Isto vem apenas confirmar uma
vez mais que os comunistas e satélites só aceitam as regras democráticas para chegarem
ao poder, mas não para saírem dele. Porque é que Evo Morales não deixou o cargo
de Presidente quando a maioria dos bolivianos votou contra um novo mandato dele
e, depois, tentou manipular os resultados eleitorais? Se tivesse sabido perder,
talvez dentro de algum tempo pudesse regressar ao poder por via democrática,
mas políticos como Morales na Bolívia, Maduro na Venezuela, Ortega na
Nicarágua, governando em situações diferentes, têm um traço comum: veem-se como
uma espécie de Fidel Castro em Cuba e não acreditam nas massas.
A descoberta de lítio na
Bolívia, a intervenção da CIA e dos Estados Unidos ou outros fatores poderiam
ter influído no decorrer dos acontecimentos, mas, segundo os princípios do
marxismo-leninismo, não poderiam ser causas determinantes. E é isto que a
extrema-esquerda insiste em não querer ver, porque não pretende aceitar nunca
que regimes por ela criados possam cair devido à existência de condições objetivas
internas: erros graves na governação e o descontentamento dos cidadãos face aos
desvios anticonstitucionais e autoritários dos seus líderes.
Se a revolução comunista russa
de 1917 se realizou devido à existência de “condições objetivas e subjetivas”
na Rússia, por que razão é que os comunistas teimam em não aceitar que os
regimes comunistas na União Soviética e nos seus satélites da Europa caíram
porque tinham infraestruturas ultrapassadas, decrépitas (condições subjetivas)
e não por obra e graça da CIA ou de outros agentes internos e externos? Não há
dúvida que Mikhail Gorbatchov e outros reformadores desempenharam um papel
importante nas reformas, mas seria anti-marxista-leninista acusá-los de serem
eles os autores do fim de um sistema quase perto da perfeição. Certamente que
os países ocidentais, a NATO, a CIA etc., tentaram retirar o máximo proveito
desses acontecimentos (duvido que os tenham aproveitado da melhor forma), mas
não foram eles que os organizaram ou provocaram.
As “primaveras árabes” não
teriam acontecido se não existisse forte descontentamento económico, político e
social nos países onde ocorreram, ou seja, se não existissem causas objetivas
internas. Quanto ao aproveitamento da
situação por forças internas e externas, ele está presente, mas não se deve
confundir as causas e as consequências. Nem atribuir todos os males dos países
árabes e muçulmanos ao facto de serem ricos em petróleo. Há outros fatores
importantes como, por exemplo, a religião, o traçado de fronteiras etc.
Claro que para os
marxistas-leninistas é difícil, ou mesmo impossível, renunciar ao determinismo
histórico, que prega que depois do capitalismo só pode vir o socialismo e o
comunismo. (Como, na União Soviética, o comunismo tardava a chegar, os
ideólogos do regime tiveram de inventar uma nova etapa: o socialismo
desenvolvido.) Mas é um facto que depois
do dito socialismo vem novamente o capitalismo, porque todas as experiências
com partido único e capitalismo de estado, sem democracia e liberdade de
expressão falham, sejam elas de extrema-esquerda ou de extrema-direita.
Isso foi oportunamente notado
pelos sociais-democratas, que deram um grande contributo para as reformas
sociais, económicas e políticas na Europa.
Voltando novamente à Bolívia,
espero que a Presidente-interina Jeanine Áñez convoque e realize o mais
rapidamente possível eleições livres e democráticas, para que este país da
América Latina não se afunde no caos da instabilidade política.
Título e Texto: José
Milhazes, Observador,
17-11-2019
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