Carina Bratt
Ontem, mais
um doze de junho passou por aqui. Com
ele, a tiracolo, o dia dos namorados. E eu pergunto às minhas caras amigas e
leitoras: vocês saberiam definir o que é dia dos namorados? O dia dos namorados,
nada mais é que um dia como outro qualquer, tipo dia dos pais, dia das mães,
dia das crianças... Iguais a estes, o dia dos namorados não passa de uma
invenção popular e marota da mídia devoradora para arrancar a grana suada das
nossas bolsas e carteiras.
O dia dos
namorados é um dia normal no nosso viver corriqueiro, como cotidianamente mambembe
para os comerciantes, com a variante que essas criaturas (neste dia) procurarão
vender um pouco mais para aumentarem seus lucros. O dia dos namorados, na
verdade, satisfaz o ego dos que visam encher os bolsos, enquanto os nossos se
esvaziam. O que ainda salva o dia dos namorados, é o amor. Se não existisse o
amor, não teria razão para o falsificado e mascarado dia dos namorados
sobreviver.
Para eu não
destruir a ilusão das pessoas que acreditam em cinderelas e histórias da carochinha,
afinal, não é, e nunca foi a minha intenção, vamos supor, hipoteticamente, que
o dia dos namorados, de fato, “existisse” com boa índole e empenho. Nada
melhor, pois, se comemorássemos este dia, falando desta quadra boa da vida, o amor.
O amor, até onde sei, é a maior celebração do fato de estarmos vivas!
Foi por ele,
o amor, que João Doria, um espertalhão, nos idos de 1940, surgiu com essa
cilada do dia dos namorados visando alavancar as vendas de uma loja que tinha
por nome Exposição Cliper. Doria levou em conta, que um dia depois, ou seja,
dia 13 (portanto hoje), se comemoraria, como aliás, se comemora, o dia de Santo
Antonio. Santo Antônio foi um santo português nascido em Lisboa, no ano de 1195
e canonizado em 1232. É imputado a esse simpático santo, a tradição de ser casamenteiro.
Neste pé, Doria
aproveitando a deixa da ocasião, e levando em conta a oportunidade ímpar desse evento,
montado no enorme carrossel da felicidade que emana deste dia lindo e
maravilhoso, eu pergunto a todas que me leem: vamos esquecer o Doria. Afinal, em
consideração ao dia dos namorados, ou melhor, ao feito-matriz que deu causa a
ele, o amor... O que venha ser o tal do amor?
Camões
asseverava que “é um fogo que arde sem se ver”. Na minha concepção pessoal, o
amor é a arte que nunca conseguimos aprender ou entender o seu verdadeiro
sentido. No amor não nos formarmos. Tampouco recebemos um diploma de conclusão
de curso. No amor não nos graduamos, não fazemos mestrado, ou estágio. Partimos
direito para a parte prática.
Talvez seja
por este motivo, a prática (sem prática), que geralmente a gente se dá mal.
Quem sabe, em face desta rotina é que ele, o amor, por nos envolver de forma
tão drástica caímos feito patinhas, na esparrela e apanhamos como éguas
fujonas, que tomamos tapas e porradas; safanões e bordoadas. Em nome dele, o
amor, sempre o amor, nos descabelamos e, às vezes, perdemos a vida. No amor, caras
amigas, a gente vive em perigo constante e iminente vinte e quatro horas.
Em iguais
passos, andamos às cegas, e jamais chegamos à lugar nenhum. No amor, nos embaraçamos
num labirinto de círculos os mais diversos, e, como cegas, seguimos às
apalpadelas, sem termos um ponto fixo, um fim base, um porto seguro, onde possamos
parar, dar um tempo e nos refugiarmos. O amor não traz amarras, a não ser
aquelas seviciosas que prendem nossos desejos em um engastalhado de sacrifícios
e privações, que nos deixam mulambadas e em frangalhos e pior, à beira de um buraco
de profundidade imensurável.
Thomas
Fuller chegou à conclusão que “quando a pobreza entrava pela porta, o amor saia
pela janela”. Discordo dele veementemente. Penso que, muitas de vocês,
igualmente, seguirão a minha linha de raciocínio. Entendam. Quando a pobreza
entra pela porta, o verdadeiro amor (vejam bem, o verdadeiro amor, não o amor
de mentirinha), o verdadeiro amor se faz mais forte, se mostra membrudo,
premente, robusto e logicamente, mais coeso e indestrutível.
Sendo, pois,
reforçado, taludo e fornido, fecha imediatamente todas as portas e janelas.
Cerra na mesma proporção, com correntes e cadeados, todas as saídas por onde
ele possa pensar em fugir. O amor genuíno, perdura, não morre, vivifica, não
derruba. O amor é uma espécie de paixão avassaladora, que nos leva aos píncaros
da loucura. O amor é como um beijo que um maluco qualquer nos roubou no meio da
rua, ou no centro da praça.
Apesar
disso, para que dure, se faz necessário que outras apropriações “não esperadas”
aconteçam. O amor é algo como uma ponte inimaginável que a gente atravessa por
sobre um rio de corredeiras mortais e, quando chegamos do outro lado da margem,
descobrimos que o cruzamento se fez em vão. Acabou inútil, falho e frustratório.
É nesta hora amarga que acordamos para a realidade e vemos, diante dos nossos olhos
chorosos, que não há nenhuma possibilidade de volta.
O amor é o
silêncio terno que renova o coração. A canção maviosa que o poeta deixou de escrever.
O amor, é ainda aquela flor mimosa que a gente colheu de dentro do jardim da
nossa alma em festa e a entregamos, de mãos beijadas, a outro. Esse “outro”
pode ser qualquer ladrão desconhecido que se ponha em nosso caminho. Um
estranho, uma paixão, um ser desprezível que infelizmente a destruirá. Marcel
Jouhandeau, romancista francês, escreveu, com muita propriedade, em seu livro
Chronique d’une passion que “saber amar não é amar. Amar é não saber”.
E, por não
sabermos... Amar é fugir levando as quimeras de contrapeso. É a gente se soltar
e saltar, voar no vazio sem medo, pular de um prédio muito alto desconhecendo como
a calçada de cimento, lá embaixo, nos recepcionará no final do baque. O amor é
o interruptor que quando a gente toca nele, faz explodir à claridade da lâmpada.
O amor é o fogo que dá vida à tocha, a pira que mantém o lampião aceso. Por
tudo o que eu disse aqui, caras amigas, o dia dos namorados, deveria acabar. De
vez, pra sempre. No lugar dele, a gente careceria celebrar, proclamar, exaltar,
louvar, sobretudo festejar, o DIA DO AMOR. E viva Santo Antonio.
Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito
Santo. 13-6-2020
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