sexta-feira, 16 de outubro de 2020

As redes sociais e a “censura do bem”

A forma como o Twitter protege Joe Biden é exemplo de como as plataformas digitais atuam no combate ao pensamento conservador

Ana Paula Henkel 

Durante anos, escutamos sobre a tendência das Big Tech de abafar aqueles que ousam desafiar a ortodoxia progressista dominante no cenário político. Durante anos, os conservadores nos Estados Unidos protestaram contra as grandes empresas de tecnologia, incluindo Facebook, Twitter, Google e YouTube, por usarem diretrizes vagas como uma arma para banir perfis, excluir postagens, remover seguidores e desmonetizar contas — a tal shadowban, uma maneira de jogar num “cantinho escuro”, sem visibilidade, os “inconvenientes”. E os funcionários das Big Tech criam, propositadamente, algoritmos em ampla escala para essas ações. 

Em 2018, o Pew Research Center descobriu em uma pesquisa que 72% dos norte-americanos acreditam que é bastante provável que as plataformas de mídia social censurem ativamente opiniões políticas que essas empresas consideram questionáveis. Por uma boa margem de quatro para um, os entrevistados estavam mais propensos a dizer que as Big Tech apoiam as opiniões dos progressistas muito mais do que as dos conservadores e liberais. 

Nos últimos anos, houve inúmeros casos de gigantes da mídia social amordaçando conservadores e liberais por aparentes motivos políticos. Está provado em documentos de investigações de comitês do Senado americano que o Twitter usa “proibições ocultas” para impedir que indivíduos compartilhem suas postagens com centenas de milhões de usuários da plataforma e que, de alguma maneira, essas proibições ocultas foram aplicadas de forma esmagadora àqueles na parte da direita do espectro político. Apenas coincidência? 

O algoritmo do Google é politicamente inclinado para favorecer a esquerda sobre a direita

Em 2020, a grande maioria dos norte-americanos já admite que recebe suas notícias apenas pelas redes sociais. O poder absoluto dessas empresas em relação ao fluxo de informações é impressionante, e elas parecem acreditar em sua capacidade de mudar a opinião pública. O Google tem ainda mais poder sobre as informações do que as companhias de mídia social, uma vez que a ferramenta domina completamente as pesquisas na internet. 

Só no ano passado, a participação de mercado do Google nas pesquisas mundiais na internet ficou em torno de 92%. De acordo com um estudo recente intitulado “Uma análise de viés político nos resultados de mecanismos de pesquisa”, os principais resultados de pesquisas do Google tinham quase 40% mais probabilidades de conter páginas com inclinação para a “esquerda” ou “extrema esquerda” do que páginas de “direita”. Além disso, 16% das palavras-chave usadas na política não continham absolutamente nenhuma página inclinada para a direita na primeira busca de resultados. 

Em outras palavras, segundo esse estudo, o algoritmo do Google é politicamente inclinado para favorecer a esquerda sobre a direita. Talvez isso explique por que o Google e outras empresas de grande tecnologia contribuem com tanto dinheiro para o Partido Democrata em comparação ao Partido Republicano. O Center for Responsive Politics mostrou em uma recente pesquisa que 70% das doações do Facebook e de seus funcionários às campanhas de 2020 foram para os democratas. Já com o Google, 81% das contribuições políticas também foram para os democratas. A mesma tendência se aplica a Amazon (74%) e Apple (91%!). There is no free lunch.

Há alguns meses, o Twitter deu um passo significativo na sinalização do caminho tomado contra conservadores e liberais e colocou um rótulo de “conteúdo impróprio e/ou checagem necessária” em dois tuítes do presidente Donald Trump, argumentando que ele havia violado as políticas contra comportamento abusivo. A plataforma que tem reforçado mais ativamente suas políticas de conteúdo contra o presidente norte-americano, na última quarta-feira, dia 14, tentou proteger o candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, e derrubou contas importantes, como a da secretária de Imprensa, Kayleigh McEnany. Ela havia compartilhado o link de uma reportagem do jornal New York Post que mostrava, em detalhes, alegadas provas do esquema de corrupção da família Biden com a Ucrânia e a China. 

A reportagem no Post é bomba para a campanha de Joe Biden. Faltando menos de um mês para uma das eleições mais importantes da História dos Estados Unidos, o filho do candidato democrata, Hunter Biden, foi colocado no centro de um escândalo que envolve uma empresa de gás natural na Ucrânia, a Burisma Holdings, investigada por corrupção no país. As suspeitas de um esquema ilícito milionário com a participação de Hunter Biden existem há algum tempo — mesmo sem atuação profissional na área de combustíveis, Hunter Biden fazia parte da diretoria da empresa ucraniana e recebia salário entre US$ 50 mil e US$ 83 mil por mês. 

Para complicar o cenário, o então vice-presidente de Barack Obama havia sido encarregado de negociar alguns empréstimos em favor do governo ucraniano exatamente quando a empresa da qual Hunter Biden era diretor estava no meio de várias denúncias de corrupção. Em um vídeo de uma palestra para poucos convidados, Joe Biden gaba-se de ter pressionado o presidente ucraniano a tirar do caso o procurador-geral Viktor Shokin, que investigava as denúncias, para, em contrapartida, autorizar um empréstimo de US$ 1 bilhão do governo americano à Ucrânia. Joe Biden sempre negou as acusações e disse que nunca soube dos negócios do filho. 

Se podem apagar conteúdo, as plataformas estão atuando como “editores”. Logo, perdem os benefícios conferidos aos que são apenas “distribuidores” 

É aí que entra o artigo que gerou a postagem censurada pelo Twitter nesta semana. Segundo o New York Post, jornal fundado em 1801 por Alexander Hamilton (1755-1804), o consultor ucraniano Vadym Pozharskiy, da Burisma Holdings, teria agradecido a Hunter Biden em um e-mail a “oportunidade” de se encontrar com o então vice-presidente Joe Biden. Pozharskiy é conselheiro da empresa e já se encontrou com vários legisladores dos Estados Unidos no passado. Se a reunião de fato ocorreu, isso contradiria as afirmações de Joe Biden de que ele nunca falou com o filho sobre seus negócios no exterior. “Caro Hunter, obrigado por me convidar para DC (Washington) e me dar a oportunidade de conhecer seu pai e passar algum tempo juntos. É realmente uma honra e um prazer”, teria escrito Pozharskiy a Hunter Biden em 17 de abril de 2015. Um e-mail anterior, de maio de 2014, também mostra Pozharskyi pedindo a Hunter “conselhos sobre como você pode usar sua influência” em favor da empresa. 

De acordo com um relatório do Comitê de Inteligência do Senado, divulgado em setembro, isso confirmaria a preocupação de alguns funcionários do governo Obama de que Hunter pudesse criar uma situação de conflito de interesses. O relatório dá conta de que o filho do então vice-presidente estava envolvido em “atividades criminosas em potencial” relacionadas a transações financeiras entre “cidadãos ucranianos, russos e chineses”. 

O relatório provisório, de 87 páginas, é produto de uma investigação de meses, durante a qual membros dos comitês de Finanças e Segurança Interna do Senado revisaram mais de 45 mil páginas de registros da administração Obama, detalhando as extensas negociações comerciais em que Hunter Biden esteve metido. 

Essa é a enxaqueca com que a família Biden terá de lidar a três semanas das eleições presidenciais. Já a dor de cabeça do Twitter está na Communications Decency Act. A CDA é uma lei federal de 1996 que em grande parte isenta as plataformas online de responsabilidade legal pelo material postado por seus usuários, entendendo que são apenas “distribuidores”. Ou seja, se não são responsáveis pela natureza das publicações — como são, por exemplo, os editores de jornais —, as plataformas ficam isentas de processos em relação ao conteúdo. Mas, a partir do momento em que começam a editar, proibir, censurar ou esconder posts, as plataformas de redes sociais perdem a proteção da lei e passam a responder como “editores”, responsabilizando-se por todo e qualquer conteúdo. 

Depois que o Twitter colocou selos de checagem de fatos em dois de seus tuítes, Trump intensificou sua guerra contra as Big Tech ao assinar uma ordem executiva que visa à redução de proteções legais: “Estamos aqui para defender a liberdade de expressão de um dos maiores perigos que ela enfrenta na História americana”, disse Trump. “Esta censura e o preconceito são uma ameaça à liberdade. Imagine se sua companhia telefônica silenciasse ou editasse sua conversa. As empresas de mídias sociais têm muito mais poder nos Estados Unidos do que os jornais, elas são muito mais ricas do que qualquer outra forma tradicional de comunicação.” 

A ordem de Trump instrui as agências federais a verificar se podem impor novos regulamentos aos gigantes da tecnologia. “Não há precedente na História americana para um número tão pequeno de corporações controlar uma esfera tão grande de interação humana”, disse o presidente, ao assinalar que o Twitter está tomando “decisões editoriais”. 

Dificilmente você verá essa notícia na imprensa no Brasil. A “censura do bem” não é uma “virtude” contemporânea exclusiva dos norte-americanos. Estamos lutando com a mesma intensidade contra os mesmos mecanismos e tentativas de silenciar conservadores e liberais no Brasil. Mas aqui na OESTE você pode ter certeza de que a liberdade — de imprensa, econômica, religiosa e de expressão — será sempre protegida, enaltecida e reafirmada em nossas linhas. 

Margaret Thatcher (1925-2013), aniversariante da semana, disse certa vez que os Estados Unidos conseguiram construir um aparato institucional forte o suficiente que protegeria a nação de radicalismos e ideias socialistas, inspirando o mundo a sempre lutar contra regimes totalitários. Ronald Reagan (1911-2004), amigo pessoal da eterna Dama de Ferro, antes de seu histórico discurso no Portão de Brandemburgo em 1987, em Berlim, foi aconselhado por assessores a remover do texto a frase “Mr. Gorbachev, tear down this wall!” (“Sr. Gorbachev, derrube esse muro!”). A turma do “deixa disso” já atuava nos anos 1980. Reagan respondeu que era preciso coragem para dizer o que precisava ser dito, especialmente quando a liberdade está contra a parede. A frase, como se sabe, entrou para a História. 

Não devemos nos esquecer jamais da mensagem deixada pelo colapso de um muro, frio e diabólico, e de seu significado. É importante sempre repetirmos, para que jamais entremos na espiral do silêncio: o Muro de Berlim não caiu como uma casa velha, desgastada com o tempo. Ele foi derrubado. Seus ideais macabros foram derrubados. Suas ideias perversas foram derrubadas, tudo porque elas não dão certo em parte alguma do mundo e porque — antes de qualquer coisa e lugar — amordaçam o indivíduo. Que lutemos para que esse muro, mesmo que virtual, jamais seja erguido novamente.

Título e Texto: Ana Paula Henkel, revista Oeste, 16-10-2020

Um comentário:

  1. Curiosamente, assisti há meia hora o 'imoderador' do último debate entre Trump e Biden, Chris Wallace, da Fox News, afirmar que esse dossiê vem de fonte não verificada e etc... Engraçado, não me lembro de ter 'ouvisto' tamanho zelo pela confiabilidade das fontes aquando do fabricado 'Ingerência da Rússia nas eleições'... deliraram até em destituir o presidente dos EUA...

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