Motim na redação progressista é sintoma da repulsa do jornalismo militante pelo contraditório
Caio Coppolla
Mês passado, 208 jornalistas
da Folha de S. Paulo enviaram uma carta de protesto à direção
do jornal após a publicação de um artigo de opinião que, supostamente, continha
uma opinião impublicável já explícita no título: “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”. Reproduzo aqui
alguns trechos do texto, de autoria do antropólogo baiano Antonio Risério:
“Todo o mundo sabe que
existe racismo branco antipreto. Quanto ao racismo preto antibranco, quase
ninguém quer saber.”
“Casos desse racismo se
sucedem, mas a ordem-unida ideológica manda fingir que nada aconteceu.”
“Ataques de negros contra
asiáticos, brancos e judeus invalidam a tese de que não existe racismo negro em
razão da opressão a que estão submetidos.”
“O dogma reza que, como
pretos são oprimidos, não dispõem de poder econômico ou político para
institucionalizar sua hostilidade antibranca. É uma tolice. Ninguém precisa ter
poder para ser racista…”
“Mas o racismo é
inaceitável em qualquer circunstância. A universidade e a elite midiática,
porém, negaceiam.”
“Não devemos fazer vistas
grossas ao racismo negro, ao mesmo tempo que esquadrinhamos o racismo branco
com microscópios implacáveis. O mesmo microscópio deve enquadrar todo e
qualquer racismo, venha de onde vier.”
“O neorracismo identitário
é exceção ou norma? Infelizmente, penso que é norma. Decorre de premissas
fundamentais da própria perspectiva identitária, quando passamos da política da
busca da igualdade para a política da afirmação da diferença.”
Nota: no intuito de atestar que o texto é, claramente, contrário ao racismo, destacamos algumas frases em negrito — aliás, será que já é politicamente incorreto usar o termo “negrito”? Vai saber…
Voltando à polêmica da vez, na
sua argumentação, o autor lista uma série chocante de exemplos individuais e
coletivos de antissemitismo, discurso de ódio, discriminação e violência de
negros contra brancos pelo mundo. A descrição dessa realidade incômoda
associada à tese de que o racismo independe da cor do racista — e ainda pode
ser agravado por ações afirmativas — indignou a redação progressista da Folha,
que abraça a doutrina do racismo estrutural como verdade
científica e enxerga o mundo dividido em grupos identitários em perpétuo
conflito. O resultado é a tal carta, assinada por mais de duas centenas de
jornalistas, incluindo os tais signatários anônimos, novidade que,
certamente, será incorporada nos abaixo-assinados da esquerda brasileira de
agora em diante:
“Nós, jornalistas da Folha aqui
subscritos, vimos por meio desta carta expressar nossa preocupação com a publicação
recorrente de conteúdos racistas nas páginas do jornal” — que mentira.
Cabem muitas críticas ao tipo de jornalismo praticado pela Folha,
essa não. Por sua vez, o artigo em discussão, além de não ser racista, é
antirracista na medida em que denuncia e repudia a discriminação.
O motim na redação da Folha é
mais um sintoma da repulsa do jornalismo militante pelo contraditório
A carta segue “reafirmando
a obviedade de que racismo reverso não existe”, o que não é uma verdade
estabelecida e tampouco óbvia se o conceito de racismo se aplicar — e se
aplica! — a qualquer preconceituoso que discrimine outras pessoas em razão da
sua etnia.
E, como não poderia deixar de
ser, a carta termina com lacração: “Acreditamos que buscar audiência às
expensas da população negra seja incompatível com estar a serviço da democracia”
— nada disso! É muito mais plausível que a real intenção do artigo (de quem
escreveu e de quem publicou) seja nobre: combater o racismo em todas as suas
formas de manifestação e assim servir à democracia.
Segundo apuração
de Oeste, “os jornalistas [da Folha] decidiram
fazer uma assembleia para exigir a demissão do diretor de Redação, Sérgio
Dávila. Ou seja, os funcionários exigiram se sentar para negociar com o chefe
sua própria permanência no posto.
A exigência da demissão foi
uma reação à resposta de Dávila ao levante nos dias anteriores. Ele dissera que
a carta era parcial, equivocada e sem fundamentos. Lembrara que boa parte dos
missivistas só estava ali justamente porque a Folha decidiu criar
editorias e lhes dar emprego”.
Ao que consta, os jornalistas
amotinados só recuaram diante da promessa de conquistar ainda mais espaço para
promover sua visão de mundo e suas opiniões publicáveis.
Com sua maestria habitual para
criar narrativas, nesta semana a Folha transformou o motim que
pedia a cabeça do diretor de redação em um “exercício de autocrítica” que
reuniu 220 jornalistas virtualmente para um debate
interno sobre os limites do pluralismo. Ignorando completamente que o
público leitor do jornal é formado por adultos perfeitamente capazes de
interpretar textos e desenvolver raciocínio crítico, as alas mais militantes
deram um tom orwelliano a alguns momentos do evento:
“jornalistas não devem se
sentir obrigados a abrir espaço para o contraditório em nome do equilíbrio”;
“editores devem evitar a
publicação de textos com argumentos falsos só porque existem pessoas que pensam
assim”;
“deve haver limites à
publicação de algumas opiniões, porque jornalistas influenciam as fronteiras do
que é ou não uma controvérsia legítima”.
Durante a assembleia digital,
também foi recorrente o uso da “falsa equivalência”, falácia que consiste em
comparar e nivelar coisas essencialmente distintas. Assim, teses sociológicas
foram alçadas à categoria de verdades científicas e parecia que admitir a
existência do racismo de negros contra brancos era tão grave quanto não
reconhecer que a Terra é redonda.
O motim na redação da Folha é
mais um sintoma da repulsa do jornalismo militante pelo contraditório. A
comparação entre pontos de vista distintos tende a revelar incoerências, expor
inconsistências e trazer à tona realidades incômodas a quem deseja impor sua
visão de mundo e de progresso à sociedade. Melhor, para eles,
cortar o bem pela raiz lançando mão de expedientes como o patrulhamento, o
cancelamento e a censura de ideias, mesmo que isso signifique abandonar a ética
da profissão e sucumbir a uma prisão intelectual. Estarão intelectualmente
presos, mas emocionalmente seguros… seguros como em uma bolha.
Título e Texto: Caio
Coppolla, revista
Oeste, nº 98, 4-2-2022
Interessante essa questão do racismo. Seja branco, seja preto, vermelho ou negro, bateu as botas, vai todo mundo para o mesmo buraco. Sem distinção, sem meios termos, sem diferença no passaporte da viagem sem volta. Em outras palavras: um cidadão branco morreu, um cidadão negro morreu. A sepultura, a terra, o caixão, o buraco são diferentes? Seria mais interessante e majestoso, se todos, brancos e negros irmanados num só cordão, num só pensar, de mãos estendidas, se unissem para acabar com o negro quadro dos que passam fome, dos que vivem na miséria e abaixo da linha das desgraças que assolam este país tão abastado em riquezas, contudo, pobre e carente, 'negramente' manchado pela podridão dos brancos que se acham acima de qualquer raça existente diante da Face do Pai Maior.
ResponderExcluirCarina
Ca
Vila Velha ES