A Grande São Paulo, pelo que se informou, tem no momento 750 mil casas em situação de risco
J. R. Guzzo
Se alguém está precisando
responder rápido qual é a safadeza número um do Brasil dos dias de hoje, dentro
da calamidade permanente que marca o dia a dia da nossa vida pública,
dificilmente vai errar se disser: “É a hipocrisia”. Sempre foi, é claro, mas em
certas horas fica pior; acaba de ficar pior, mais uma vez.
Dias atrás, num espetáculo que há 50 anos, ou mais, se repete com a regularidade da troca do dia pela noite, desabaram dezenas de casas num dos muitos purgatórios sem esperança que compõem a periferia de São Paulo. Muita gente perdeu o pouquíssimo que tinha. Podem ter morrido mais de trinta pessoas. Foi uma tragédia.
Foto: Guilherme Lopes/revista Oeste |
Nessas horas sempre querem
dizer ao público, em cinco segundos, o que aconteceu – e, principalmente, quem
é o culpado. Já disseram, é claro. O culpado, segundo a sabedoria em vigor na
praça, foi o presidente da República. Ele não tem “políticas sociais” corretas,
dizem — e sem isso as pessoas morrem quando o tempo fica ruim. Outros, mais
agitados, jogaram a culpa também no governador do Estado.
Pois então: eis aí, com todos os seus holofotes, a hipocrisia fundamental, automática e histérica da elitezinha que quer pensar por todos neste país, o tempo todo e em todos os assuntos. As casas do fim de mundo paulistano não caíram por falta de uma política social. Caíram porque foram construídas em terrenos de morro onde não se pode construir uma casa. Estão dentro de ângulos em que nenhuma construção fica de pé. Carregam um peso que o solo não aguenta. Seus materiais são de quinta categoria. É impossível que não venham abaixo.
A Grande São Paulo, pelo que se informou, tem
no momento 750.000 casas em situação de risco, e quase 1.000 áreas onde
moradias correm perigo de desabar – uma vergonha que não foi construída em 15
minutos, e por nenhum governo individualmente, mas que o Brasil civilizado nem
vê.
De que jeito a culpa poderia
ser só de um, ou de dois? Basta olhar os números. Os jornalistas, urbanistas e
peritos em “questões habitacionais”, diante dessa demência, se lançam a
discursos contra “a política social” do presidente. Faz bem para eles, mas é a
melhor garantia de que jamais haverá solução real para o problema.
Há duas leis no Brasil. Da
classe média para cima, as pessoas precisam de licença da Prefeitura, alvará,
“habite-se” e sabe lá Deus mais o que para construir um metro de parede; daí
para baixo a autoridade pública não toma conhecimento. Nem poderia: se abrisse
a boca, a esquerda, o MP e o padre iam sair gritando “inimigo do pobre”,
“higienista”, e daí para pior. Fica assim, então.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
O Estado de S. Paulo, revista Oeste, 6-2-2022, 18h10
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