segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Dom Odilo e a sua análise do cenário eleitoral

FratresInUnum.com

Dom Odilo Scherer [foto], cardeal arcebispo de São Paulo, publicou um artigo em “O Estado de São Paulo” no último sábado, dia 13; o mesmo artigo foi publicado no site da arquidiocese de São Paulo, mas o site da arquidiocese está fora do ar.

O artigo divide-se basicamente em duas partes, que talvez pudessem ser intituladas “primeiro turno” e “segundo turno”.

Na primeira parte, ele critica a polarização ente “candidato a” e “candidato b”… Deixaria ele ao leitor a conclusão de que seria interessante considerar-se a chamada “terceira via”, a mesma que seria encabeçada por Moro, depois por Dória e, por fim, por Tebet e Gabrilli?… É interessante notar que a hipótese de uma ascensão da “terceira via” não está fora de cogitação, especialmente com a possibilidade de que um dos candidatos que perdesse numa projeção confiável viesse a renunciar à eleição, alegando, por exemplo, motivos de saúde ou idade avançada.

Dom Odilo também chama a atenção para o fato de que a eleição é exageradamente concentrada sobre o poder executivo, deixando-se o legislativo meio de que lado. Bem… digamos que o problema não seja propriamente atual. Parece que o eminentíssimo está um tanto chovendo no molhado.

De fato, esses eclesiásticos que não querem polemizar para não verem a sua carreira de nenhum modo manchada, para darem sempre a impressão de que são equilibrados e estão por cima das contradições e dos jogos de interesses, vivem a falar e a escrever obviedades, “lugares comuns”, chavões compartilháveis por qualquer pipoqueiro da esquina, desprovidos de qualquer relevância.

Contudo, a coisa continua. O arcebispo de São Paulo começa a criticar o que ele mesmo chama de “crise social brasileira”. Aqui, começaria, a nosso ver, a segunda parte do artigo.

Ele menciona o preço dos produtos, de comidas a remédios, o desemprego, a fome, o aumento dos moradores de rua, a crise ambiental (aquela bajuladinha bergogliana não poderia faltar, não é mesmo?…). Ele também menciona o crescimento da violência, falsificando o fato de que, nos últimos anos de governo, esta caiu consideravelmente, coisa que se vê pela gigantesca diminuição do número de assassinatos.

Mas, o mais interessante, é que, neste momento, o eminentíssimo faz aquela pausa poética para uma pergunta retórica cheia de ironia tosca (sim, porque, às vezes, a malícia só não excede a enormidade enciclopédica da inépcia): “Tudo culpa da pandemia de covid-19? Da guerra na Ucrânia?”

Ora, cardeal, mas será que vossa eminência ignora o fato de que vivemos uma crise internacional de dimensões impressionantes? A pandemia quebrou a economia da maior parte dos países, até a inflação americana está altíssima, o que impacta diretamente a economia de todas as nações, há alta no preço dos combustíveis por todo lado, e, depois dessa catástrofe sanitária, a calamidade de uma guerra está abalando todos mercados do mundo. Que coisa feia justamente um cardeal fazer-se de bobo e ignorar que, de fato, estamos num momento delicadíssimo política e economicamente, que tudo isso tende a se agravar com a crise entre Taiwan e China, que pode eclodir proximamente, e que não podemos ficar imunes a nada disso… É verdade que ele afirma “não se desconhece nem se subestima a influência de tais fatores circunstanciais, mas nosso problema não é novo e a atual crise social brasileira é mais velha que esses fatores”, mas qualquer criança sabe que tais “fatores circunstanciais” dificultam ainda mais o solucionamento dessas crises. Não é necessária muita inteligência para perceber que este discurso é tão somente uma retórica que esconde outras presumíveis intenções. Prossigamos.

Logo na sequência, ele ainda se ressente: “Que pena, estamos desperdiçando energias na reafirmação da confiabilidade das urnas eletrônicas”? Mas, por que, eminência? Será que a infalibilidade das urnas eletrônicas é um novo dogma de fé, a ser professado por todos os católicos? Se o Brasil tivesse inventado um sistema imune a fraudes, que são problemas ocorrentes em todas as democracias do mundo, a esta altura, todos os países estariam importando essa tecnologia que, além daqui, existe apenas no Butão e em Bangladesh… Não parece óbvio?

No entanto, pior do que as pautas que o cardeal releva são aquelas que ele silencia. Sim, porque há omissões que denunciam mais que comissões e silêncios que gritam mais do que verdadeiros brados…

Ele releva com exclusividade as pautas da esquerda que são concentradas sobre a política social, enquanto finge não ver as demais pautas, aquelas que confrontam diretamente os interesses do eleitor católico: o aborto, a ideologia de gênero, o movimento homossexual, a legalização das drogas, o controle das mídias sociais, a regulação da imprensa, a intolerância religiosa – temas que são os mais importantes, sobretudo quando estamos a viver uma perseguição contra os católicos na Nicarágua. Dom Odilo faz parte da presidência do CELAM. Onde está uma condenação ao totalitarismo de Ortega, que fechou rádios católicas e prendeu um bispo? Onde está a preocupação do purpurado com o apoio que Lula deu ao regime nicaraguense no ano passado, na sua entrevista ao El País?

Esses temas serão solenemente ignorados pela maior parte dos bispos brasileiros. Evita-se tratar do assunto porque a pauta seria facilmente sequestrada pela direita. É sobre isso: trata-se de reconduzir Lula ao poder, ainda que se disfarçando de “terceira via”.

O cardeal volta à sopa das mazelas da “crise social brasileira” para, de improviso, sair com uma cutucada: “Populismos messiânicos, de qualquer matiz, já se mostraram danosos e ineficazes para resolver os problemas dos povos”. Aqui, ele falta dar nome e cpf do criticado.

Infelizmente, Dom Odilo se comporta exatamente como o estereótipo do “bispo melancia”: verde por fora, vermelho por dentro. É uma pena! Triste saber que um eclesiástico deste porte um dia foi considerado de confiança por ninguém menos que o Papa Bento XVI. Só que nada disso é uma surpresa… Quem não se lembrará das manifestações de amor devoto com a qual Dom Odilo falava de Lula em 2018, no evento comemorativo do acordo Brasil-Santa Sé?

Título e Texto: FratresInUnum.com, 15-8-2022

Um comentário:

  1. Por estes e outros, a começar pelo argentino lá em Roma, muitos católicos estão migrando para outras crenças/religiões... alguns continuam católicos, mas dedicam seu desprezo a esses homens, como este escriba.

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