Durante as eleições, o TSE censurou peças de campanha do presidente e permitiu que adversários atacassem a reputação do chefe do Executivo
Cristyan Costa
Censura
Desde o início da campanha
eleitoral, o TSE proferiu 19 decisões que, de alguma forma, tentaram atrapalhar
a campanha de Bolsonaro, contra oito com potencial de prejudicar Lula. A mais
recente ocorreu a cinco dias das eleições. Na semana passada, a Corte proibiu o
presidente de fazer lives nas residências oficiais. O plenário
referendou uma decisão do ministro relator da causa, Benedito Gonçalves, a
pedido do PDT.
Apesar dos argumentos do voto
divergente do ministro Raul Araújo, que trucidaram a tese segundo a qual
fazer lives nos palácios do Planalto e da Alvorada configura
“abuso de poder político”, os ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e
Alexandre de Moraes seguiram o relator. Araújo recordou que o TSE não barrou
condutas semelhantes a outros ex-presidentes, como Lula e Dilma.
O plenário fechou com a
ministra Cármen Lúcia e negou um recurso da campanha do presidente para tirar
do ar vídeos em que Lula chama Bolsonaro de “fascista”, “negacionista”,
“miliciano” e “mentiroso”
“Parece-me que há a tentativa de impedir o presidente de fazer uso de um veículo de comunicação importante com os eleitores, de baixo custo, e que democratiza a campanha eleitoral”, acrescentou Carlos Horbach. O ministro ponderou que a decisão significaria um “custo considerável” à campanha de Bolsonaro, em virtude dos deslocamentos que serão necessários para as lives.
Na sequência, a ministra Maria
Cláudia Bucchianeri lembrou que, em 2014, a candidata à reeleição do PT, Dilma
Rousseff, concedeu entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, no
interior do Alvorada. Além disso, durante a pandemia de covid-19, políticos
recorreram a lives, muitas delas em residências oficiais, observou
a juíza. “Qual é a diferença entre uma live feita pelo
candidato A com um fundo branco de dentro da residência oficial e outra por
candidato B feita em um fundo branco em um hotel?”, comparou a juíza.
Ainda na sessão, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, não conseguiu esconder o desprezo pela divergência dos colegas, ao fazer um gesto de “degola”, depois de o ministro Araújo discordar do relator. Após o episódio, Moraes explicou que estava dirigindo-se a um de seus assessores, que não passara informações importantes referentes ao julgamento, em tempo hábil para o ministro.
Um dia antes desse revés, o
TSE proibiu Bolsonaro de usar na campanha imagens de um discurso na ONU. A
liminar havia sido concedida pelo ministro Gonçalves na semana anterior,
novamente atendendo ao PDT. A sigla alegou que Bolsonaro “feriu a isonomia” e,
com as fotos e vídeos, poderia valer-se de uma suposta vantagem (a condição de
presidente), que os outros candidatos não têm.
O mesmo ministro também é o
responsável por impedir Bolsonaro de fazer uso de um discurso que proferiu a
apoiadores em Londres, antes de comparecer ao velório da rainha Elizabeth II.
Do alto da varanda da residência oficial do embaixador do Brasil no país, o
presidente defendeu a liberdade e ressaltou a importância do conservadorismo. A
decisão de Gonçalves, que acolheu uma ação da senadora Soraya Thronicke (União
Brasil-MS), foi referendada pelo plenário, dias depois.
Tampouco as imagens do 7 de Setembro puderam ser usadas por Bolsonaro. A decisão do ministro Gonçalves proibiu o governo de valer-se de fotos e vídeos, durante a campanha. Ao acatar um processo movido pelo PT, o juiz do TSE argumentou que Bolsonaro poderia praticar “abuso de poder político” contra adversários. “A medida do TSE violou a liberdade de manifestação do presidente”, constatou o jurista Dircêo Torrecillas Ramos, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. “Todos podem reunir-se pacificamente em locais abertos ao público. Bolsonaro soube dividir os atos em dois: o desfile do Dia da Independência e, depois, sem a faixa presidencial, discursou para apoiadores. Não precisaria proibir o presidente.”
O jurista Adilson Dallari
acrescentou que, como justificativa, alegou-se que as festividades foram
custeadas com recursos públicos. “Recursos públicos custearam as despesas da cerimônia
oficial de Brasília, onde o presidente compareceu usando a faixa”. observou.
“Nas outras manifestações, custeadas por particulares e por fundos de campanha,
o candidato compareceu nessa qualidade. No fundo, o ministro Benedito Gonçalves
atendeu a um pedido de Lula, a quem deve sua designação para o STJ.”
Michelle Bolsonaro também tornou-se alvo do TSE. No mês passado, uma campanha pró-governo com a primeira-dama foi censurada pela Corte. Isso porque Michelle apareceu no vídeo por tempo superior ao limite de 25%, previsto em lei, para apoiadores que participam da campanha. “Normas do TSE limitam o tempo de manifestação de apoiadores”, disse Dallari. “No caso, a alegação é que o tempo máximo teria sido ultrapassado. Obviamente, o correto seria cortar o excesso, e não proibir a propaganda inteira.”
A mesma regra que o TSE usou
para enquadrar a primeira-dama não valeu para Lula. Advogados do presidente
Jair Bolsonaro foram ao TSE contra o uso de imagens de uma superlive entre
o petista e artistas. O ministro Gonçalves manteve a peça no ar e pediu ao PT
que apenas retirasse determinados trechos da propaganda em que os famosos
cantam o jingle do ex-presidente.
Se a primeira-dama entrou na mira do tribunal, os eleitores do presidente não poderiam ficar de fora. Com uma canetada, a ministra Cármen Lúcia mandou remover outdoors com mensagens de apoio a Bolsonaro nas ruas de Brasília. A juíza deu 24 horas para a empresa responsável tirar os painéis, caso contrário, teria de pagar multa diária de R$ 1 mil, acatando um pedido do PDT.
Assassinato de reputação
O TSE legitimou ainda uma
série de ofensas e acusações da esquerda dirigidas a Bolsonaro. O plenário
fechou com a ministra Cármen Lúcia e negou um recurso da campanha do presidente
para tirar do ar vídeos em que Lula chama Bolsonaro de “fascista”, “negacionista”,
“miliciano” e “mentiroso”. O argumento da relatora, seguido pela maioria dos
magistrados: liberdade de expressão. “Como antes decidido por este tribunal,
não é qualquer crítica contundente a candidato ou ofensa à honra que
caracteriza propaganda eleitoral negativa antecipada, sob pena de violação à
liberdade de expressão”, argumentou Cármen.
Bolsonaro também não pôde
defender-se de uma reportagem do UOL, veiculada por alguns
candidatos, que informa que o presidente e sua família compraram imóveis em
“dinheiro vivo”. Conforme demonstrou reportagem da Revista Oeste, o
termo “moeda corrente” usado pela notícia não tem relação com pagamentos feitos
em espécie. A expressão significa dinheiro utilizado em um território. O TSE,
contudo, não autorizou o presidente a rebater os ataques.
Além disso, a Corte Eleitoral
manteve no ar o site de fake news “Mulheres com Bolsonaro?”.
Entre outros posts, o blog acusa o presidente de agredir
mulheres, violar direitos de empregadas domésticas e defender o assassinato de uma
deputada. “O site não apresenta conteúdo eleitoral, pois em nenhum lugar faz
menção ao pleito vindouro, mas tão somente colaciona matérias jornalísticas, já
divulgadas em diversos veículos de imprensa”, sustentou a juíza do TSE Maria
Cláudia Bucchianeri.
Parcialidade
Para Ivan Sartori,
ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o TSE tem agido com
parcialidade. “O TSE vem exercendo um papel bem restritivo sobre a campanha de
Bolsonaro”, observou Sartori. “O presidente tem sido muito constrangido.
Recentemente, durante a sessão que o proibiu de fazer lives nas
residências oficiais, houve até um gesto de degola por parte do presidente do
TSE. As sessões exigem respeito à liturgia do cargo.”
“O jornal New York Times comparou as Supremas Cortes dos EUA e do Brasil, dizendo que aquela era exclusividade jurídica e está atuando politicamente”, constatou o jurista Ives Gandra da Silva Martins. “Concordo com o jornal, como também na atuação política do STF, com uma tendência a atingir mais os conservadores do que os militantes da esquerda.”
Título e Texto: Cristyan
Costa, Revista
Oeste, 3-10-2022, 13h32
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