"Os
edifícios antigos não nos pertencem. Em parte, são propriedade daqueles que os
constroem. Em parte, das gerações que estão por vir. Os mortos ainda têm
direito sobre eles.
Aquilo
porque se empenharam não cabe a nós tomar."
John Ruskin
José Manuel
Em um domingo recente,
concedi-me um ato de coragem e fui visitar a exposição de algumas obras de
Salvador Dali, (até 22 de setembro), no Centro
Cultural Banco do Brasil.
Eu e a família saímos de
Niterói às 11 horas, atravessamos a baía de Guanabara em vinte minutos e fomos
andando pelo Paço Imperial, como sempre sujo e infestado de mendigos que fazem
daquele belo lugar o seu banheiro privativo.
Após uma breve caminhada pelas
ruas adjacentes ao Paço, sempre observando com um olho a
beleza arquitetônica do que resta dos prédios do século XIX e o outro
na possível bandidagem que espreita as esquinas abandonadas da área,
chegamos finalmente ao belo prédio do Centro Cultural.
Após a visita ao CCBB,
exemplo de como se cuida de um patrimônio, fomos à igreja da Candelária
para assistir à missa e o canto gregoriano.
Notamos o frágil estado de
conservação de um dos maiores templos religiosos do país, com várias
infiltrações já corroendo as maravilhosas pinturas no teto, a sujeira dos mármores
e granitos e o exterior bastante degradado.
Uma pena ver um monumento
histórico como aquele, a arte pura e lindamente trabalhada, no estado em que se
encontra, enquanto políticos atrás de votos se fazem presentes a toda a hora em
outros templos de arquitetura e gosto duvidosos.
Na volta ao terminal das barcas,
passamos pela estátua equestre do General Osório e
ficamos assustados com o que presenciamos, pois não só a espada e
as balas de canhão de cada pedestal cantoneira haviam
desaparecido, tema de reportagem anterior, como o gradil inteiro composto por
vários canhões e trabalho belíssimo em ferro , que protegia o
monumento, havia desaparecido.
A sensação que tivemos, foi,
que da próxima vez que lá passarmos, o General Osório e seu cavalo feitos do
bronze dos canhões apreendidos na guerra do Paraguai não mais estará em
seu panteão, e talvez vá parar na mesma fornalha que derreteu a cobiçada
taça Jules Rimet.
Este episódio me fez lembrar dos quatro leões monumentais em mármore de Carrara, que adornavam as escadarias do Palácio Monroe, estupidamente demolido, e que foram parar em uma coleção particular na cidade de Recife. Os dezoito anjos de bronze que adornavam a cúpula também sumiram e, segundo pesquisa, estão em uma fazenda de algum político famoso. E os vitrais e os lustres maravilhosos, aonde teriam ido parar?
Ler sobre a demolição deste belíssimo prédio, e como sumiram as obras de arte que o compunham, pois foi projetado para a exposição Universal em 1904, em Saint Louis, nos EUA, e posterior exposição do Rio em 1922, é de cortar o coração.
E aí vem um rosário de
atentados grotescos ao patrimônio público e contra a história da cidade
do Rio de Janeiro, como, por exemplo, a demolição do prédio construído em 1922 que funcionou como pavilhão dos Estados na
comemoração do centenário da independência, e que tinha uma cúpula de vidro
lindíssima, mais tarde sede do Ministério da Agricultura.
A década de 20 trouxe para o Rio a Exposição Internacional de 1922 e com ela um desenvolvimento incrível, pois a arquitetura dos mais de quinze pavilhões dos países que para aqui vieram, ascenderam a cidade à condição de grande metrópole, principalmente na área central da Avenida Rio Branco e adjacências como a praça XV.
Infelizmente, toda a
beleza arquitetônica daquela época hoje se resume a algumas poucas
unidades que ainda resistem ao tempo.
Outra demolição foi a do
famoso hotel Pharoux, um ícone do império em
hotelaria, sendo com o ministério, ambos na área da praça XV de novembro, uma
enorme perda nessa área histórica, e por ai foram vários sendo destruídos.
Há um mosaico de
destruição arquitetônica naquela área, mas um dos
desaparecimentos irresponsáveis que mais marcou a história do local,
sem dúvida foi a do Mercado Municipal.
O edifício, de forma quadrada e com 150 metros de lado ocupava uma área de 22.500 m2, tinha quatro torres nos cantos, uma torre central com um grande relógio, mais quatro portões monumentais com 14 metros de altura. O material desse mercado feito de ferro lindamente trabalhado, veio todo da Bélgica, sendo a montagem supervisionada por representantes do fabricante. No interior da construção havia dezesseis ruas com um total de 1 136 compartimentos para lojas. Era vendido todo tipo de mercadoria, com destaque para gêneros alimentícios.
Foi inaugurado em 14 de
dezembro de 1907, tornando-se um dos símbolos da cidade do Rio de
Janeiro. A sua sorte foi decidida em 1956, quando os idiotas de plantão à
época resolveram passar por dentro dele um monstrengo chamado Elevado da Perimetral.
Dele apenas restam uma torre
onde está o restaurante Albamar e o filme de
Marcel Camus,"Orfeu Negro", onde
se pode ver ainda e a cores o interior desta magnífica obra.
Só para constar, o
famoso "mercadão" de São Paulo, a maior
cidade da América Latina, não chega à metade do que era esse mercado na Praça
XV no Rio.
Em 49 anos, a cidade perdeu
obras de arte em arquitetura, gastou milhares para construir o elevado, perdeu
um mercado digno das maiores cidades europeias que nem pensam em fazer
semelhante absurdo, e agora gastam milhares para demolir o inconcebível.
Nem prédios fantásticos, como
os da Expo de 1922, nem mercado temos mais. Para conhecer e admirar algo
parecido como que havia por aqui temos que nos deslocar ao Exterior. Paris é um
exemplo, deixar o nosso dinheiro lá para que os cidadãos dessas cidades façam a
manutenção das suas obras arquitetônicas preservadas, é claro, porque
isso acima de tudo é cultura.
Então, do Mercado Municipal ao
Palácio Monroe, passando pelo Centenário da Independência e a espada do General,
vamos sistematicamente e com uma fúria de dar inveja ao bárbaro rei huno, Átila, conhecido
como flagelo de Deus, porque por onde passava, nem grama mais nascia, dizimando
toda uma história de arte, arquitetura, beleza e cultura para que os
nossos descendentes não conheçam o nosso passado cultural.
E ainda nos surpreendemos
quando o nosso fundo de pensão AERUS desaparece deixando-nos
órfãos da história!
A quem me pergunta em quem eu
vou votar nesta próxima eleição, pelo que está acima escrito, nota-se que se
não fosse por um Barão de Mauá, Antonio Ermírio de Morais, mais os anônimos ao
longo da história, o Brasil estaria hoje no mesmo estágio do continente africano.
Portanto, no dia 4 de outubro de 2014, gostaria de acordar deste pesadelo que estou vivendo neste país, de preferência em um bistrô em Paris, tomando um café au lait com um croque-monsieur em uma calçada charmosa, observando os prédios lindos de dois séculos e esquecer de vez o que eu deveria fazer no dia seguinte.
Au revoir!
Título e Texto: José Manuel, ex-tripulante Varig, 08-09-2014
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