Além da coleção de micro
conceitos e caricaturas - bigodes, fado e um certo futebolista -, Portugal não
existe. No máximo, talvez seja possível juntar Pessoa e Saramago ao que as
pessoas conhecem dele
Olhe à sua volta. Olhe para
baixo. Os seus pés estão plantados no solo português. Uma das suas mãos segura
um perfeito café português, a outra passa a página digital de um jornal
português. Provavelmente, acordou esta manhã em Portugal, e, provavelmente,
adormecerá esta noite em Portugal.
Ilustração: Lucy Pepper |
Parece um sítio real, não é?
Mas Portugal não existe. Podemos imaginar que sim, podemos maravilhar-nos com o
seu esplendor, o seu vinho, a sua comida, a sua cultura, a sua história.
Sentamo-nos nas suas praias, felizes por não termos de viajar até Espanha. É
claro que Portugal existe, pensamos nós, porque estamos aqui, e, bem, até foi
Portugal quem viajou e descobriu metade do resto do mundo por conta do resto da
Europa, não foi?
Cresci num sítio que não
existe, North Devon. No boletim meteorológico da BBC, o apresentador está
sempre em frente da minha terra no mapa da Grã-Bretanha, exactamente como
também está sempre em frente de Portugal no mapa da Europa. A minha terra, na
Grã-Bretanha, pouco mais é do que a caricatura mesquinha de um agricultor
burro. Tal como o sudoeste da Inglaterra, Portugal não existe. Estamos a viver
um solipsismo colectivo.
No resto do mundo, Portugal
não é mais do que o vago toque de uma ideia. Veja e leia as notícias na
Grã-Bretanha (e não esqueçamos que é o aliado mais velho de Portugal). Quantas
vezes é Portugal mencionado? Quando o BES faliu (e o resto do mundo ficou
surpreendido com o facto de um país que não existe poder ter um banco cujo
colapso afecta os mercados), ou quando um americano surfou as ondas gigantes da
Nazaré (ondas gigantes que a maior parte dos Portugueses não conhecia). É uma
sorte que a letra inicial de Portugal seja P para que possa fazer parte do
acrónimo PIIGS. A não ser isso, seria ainda mais regularmente esquecido nas notícias
sobre os países europeus com dificuldades financeiras.
Qual a sua ideia, digamos, da
América? Vê um filme a passar em frente dos seus olhos, certo? Claro, muito
disso é errado ou não é exacto, mas é uma base por onde começar. Agora, imagine
a Grã-Bretanha. A mesma coisa. Imagine a França, a Alemanha, a Itália, a
Espanha, a Grécia, a Suécia, o Iraque, a África de Sul, a Finlândia, e
certamente que fará uma ideia, correcta ou incorrecta, do país, do seu povo e
da sua cultura. Pois a sua ideia desses países é mais do que a ideia que a
maior parte do mundo faz sobre Portugal. Há dezenas de livros de viagem e
romances em língua inglesa sobre a Provença, a Toscânia, Almería, a Baviera …
Mas sobre Portugal? Quase nada. Há uns anos, Monica Ali escreveu um romance
sobre o Alentejo (Alentejo Blue). Em primeiro lugar, não era grande coisa,
porque a autora realmente não conhecia bem Portugal. Em segundo lugar, não
vendeu bem… porque era sobre Portugal, e ninguém, na Grã-Bretanha, liga a
Portugal. Portugal não existe.
Além de uma coleção de micro
conceitos e caricaturas — bigodes, fado e um certo futebolista muito conhecido
e muito arranjado –, Portugal não existe. No máximo, talvez seja possível
juntar Pessoa e Saramago ao que as pessoas conhecem de Portugal. Isto é tudo
muito estranho, considerando a quantidade de portugueses que emigram, e todos
os empresários, profissionais e atletas portugueses bem sucedidos que andam
pelo mundo a comprovar a existência de Portugal.
Mas ainda assim, Portugal não
existe. Nem sequer para as multidões de turistas que visitam o país e se sentam
ao colo do Pessoa enquanto comem um pastel de nata. Não vamos mencionar os
turistas que passam pelo Algarve, já que basicamente nem sabem que estão em
Portugal.
Os imigrantes britânicos em
Portugal, na sua maioria imigrantes de “lifestyle” (e que por isso recusam ser
chamados imigrantes, optando por “expats”), também não sabem que Portugal
existe, embora tenham decidido viver por cá. Mas não conseguem dizer mais do
que duas ou três frases em português, e não são capazes de, sobre Portugal,
dizer mais do que “o clima é óptimo, e as pessoas, a cerveja e o peixe grelhado
são fantásticos”.
Acho tudo isso muito estranho.
Apaixonei-me por este país há mais de vinte anos. Acho-o infinitamente fascinante
e parece-me que ainda quase não toquei na superfície da minha compreensão dele.
Portugal é fascinante, mas ninguém lhe liga: não existe.
É mau que seja assim? Também
venho de um sítio que não existe, e dou-me bem com isso. Portugal não existe,
mas os turistas continuam a chegar. Faz mal que os turistas e os imigrantes
britânicos de “lifestyle” não percebam o que é Portugal? Faz mal se ninguém
realmente der valor a Portugal? Talvez leve o seu tempo. Talvez sejam precisos
mais uns anos de mega-turismo para um dia se escreverem livros de viagem e
romances sobre Portugal. Talvez, um dia, Portugal exista para além da
caricatura dos bigodes, do fado e de um certo futebolista muito conhecido e
muito arranjado. Mas, no fundo, que importância tem que não saibam que nós
existimos? Porque nós, é claro, existimos.
Título, Imagem e Texto (traduzido
do original inglês pela autora): Lucy
Pepper, Observador,
09-09-2014
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