É que os brasileiros que
trabalham não têm pedigree militante.
Reinaldo Azevedo
Vivemos realmente dias
interessantes. Desde a redemocratização do país, é a primeira vez que milhares
de pessoas saem às ruas tendo de enfrentar a franca hostilidade da maioria da
imprensa e até de humoristas chapas-brancas — como se fosse possível fazer
humorismo a favor sem que o palhaço se comporte como mero áulico. Até o bobo da
corte, como é sabido, tinha mais independência do que a pletora de
engraçadinhos patrocinados. Afinal, o bobo era o único que podia fazer piada
com o rei… Os de hoje em dia só sabem ironizar os… inimigos do rei.
Sim, uns poucos tolos pediram
intervenção militar. Já disse o que penso a respeito em dois posts bastante
longos. Mas a esmagadora maioria foi à rua cobrar a apuração de crimes contra o
patrimônio público, exigir o impeachment de Dilma (se ficar provado que ela
sabia das falcatruas) e, oram vejam, protestar contra o controle da mídia — que
vem a ser justamente a pauta oposta à dos esquerdistas que marcharam na
quinta-feira, sob a liderança da CUT e de Gilherme Boulos, chefão do MTST — a
entidade e o movimento são vermelhos por fora, mas tem a chapa branca por
dentro.
Os que defendem abertamente a
censura à imprensa, no entanto, foram tratados com reverência e delicadeza
pela… imprensa! Os que se opõem a controles, bem, estes estão sendo francamente
hostilizados, com uma abordagem jocosa, com esgares óbvios de preconceito.
Sugiro aos manifestantes, no entanto, que ignorem a patrulha e deixem os
jornalistas em paz. Seus respectivos leitores saberão fazer a coisa certa. O
único controle admissível para a imprensa é o público. A liberdade de imprensa
não é um bem que se defenda em benefício de jornalistas. A gente defende a
liberdade de imprensa é em benefício do país. Adiante.
Manifestações de defensores da
ordem democrática também são meio chatas, não é?, para certo jornalismo. A
turma não quebra nada, nem bem público nem bem privado; não busca o confronto
físico coma a Polícia Militar — ao contrário: até a aplaude, o que deixa os
esquerdistas da imprensa, digamos, “absurdados”. Também não se trata, assim, de
um desfile de culturas alternativas, de tribos, de comportamentos de exceção,
de minorais, de militantes profissionais.
Nada disso! Nas ruas, estavam
aquelas pessoas que a Marilena Chaui e boa parte da imprensa odeiam: gente
comum, que trabalha, que estuda, que é obrigada a ganhar o próprio sustento —
e, por essa razão, tem especial predileção para protestar aos sábados. São
pessoas que não têm as mesmas facilidades dos militantes da CUT ou do MTST.
Estes podem armar o circo em plena quinta-feira porque o pão já está mesmo
garantido pelas tetas públicas.
Onde já se viu gente comum;
que não pertence a nenhum movimento social; que não se organiza em nome de
nenhuma minoria influente; que, percebe-se, nem tem muito traquejo em
manifestação porque costuma estar empenhada demais em prover o próprio
sustento, sem tempo para se comportar como esbirro de grupelhos militantes; que
recolhe seus impostos; que faz funcionar a máquina perdulária do estado… Onde
já se viu gente assim ousar sair às ruas?
Cumpre ridicularizá-la;
tratá-la como um bando de primitivos; tirar o sarro de sua agenda; evidenciar o
seu reacionarismo; hostilizá-la como expressão do atraso. Não é porque essa
gente é a parcela do Brasil que financia o circo do estatismo; não é porque
essa gente é diariamente espoliada por marginais do poder; não é por isso tudo
que essa gente, agora, vai achar que deve ter também o direito de voz. Como
quer o ainda ministro Gilberto Carvalho, a obrigação do governo é conversar com
os movimentos sociais de esquerda. Os indignados com a roubalheira que se
danem.
Vem coisa por aí
Os histéricos — e vou escrever
daqui a pouco sobre o ministro José Eduardo Cardozo — que se acalmem! A
Operação Lava Jato, até agora, ainda não chegou aos políticos. Vai chegar. É
possível que a penca de prisões acabe resultado em novos processos de delação
premiada.
Ainda que amplos setores da
imprensa só reconheçam a legitimidade de protestos que carregam a bandeira
vermelha, terão de aceitar, cedo ou tarde (pior se for tarde), que os que pagam
a conta têm o direito de reclamar da qualidade do serviço.
Para esclarecer
Há gente fazendo uma lambança
dos diabos. Tenho escrito aqui que o eventual impeachment de Dilma precisa de
provas. Aí alguns insistem: “Mas elas já existem…”. Ainda não são do nosso
conhecimento. VEJA noticiou — assim como os demais veículos de comunicação —
que Alberto Youssef afirmou que Lula e Dilma sabiam de tudo. É fato que ele
tenha dito isso. Mas é preciso que venha à luz a materialidade dessa afirmação,
entenderam? “Ah, Reinaldo, mas o que você acha?” Eu acho que não havia como
eles não saberem. Mas um processo requer mais do que, digamos, essa obviedade
lógica.
E, ficando provado que a
presidente sabia, ela vai se aposentar mais cedo. Sem traumas institucionais.
Não adianta Cardozo ter faniquito. Os cretinos que chamam de “golpista” a
manifestação em favor do impeachment precisam saber que o impedimento tem
prescrição legal. Logo, não pode ser golpe o que se ancora na legalidade
democrática. Quando alguém fala em “impeachment” fala também em legalidade. É
elementar!
A crise é de fôlego, estejam
certos. Quanto à hostilidade de parte considerável da imprensa, dizer o quê?
Jornalistas não podem ser molestados. Que façam o seu trabalho, bom ou mau. É o
leitor, o telespectador, o ouvinte ou o internauta que escolhem este ou aquele
veículos. A melhor forma de protestar contra áulicos ou maledicentes é mudando
de jornal, de revista, de canal, de blog, de rádio…
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 16-11-2014
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