segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Não foi só um arranhão

José Carlos Bolognese
Considerando o que passamos até agora, não foi pequeno o alívio que senti quando finalmente publicou-se oficialmente que iremos receber parte do que nos é devido. Momentaneamente cessam as angústias de não poder atender as prioridades da vida que, devido ao seu crônico – e cruel – adiamento perderam de certo modo para mim, o significado de caráter indispensável que essa palavra, prioridade, traz à mente. Naturalmente, como essa solução temporária não é o que esperávamos nem merecíamos, o enfrentamento dessas necessidades terá de passar pelas mesmas apertadíssimas escolhas que fizemos nos últimos nove anos. Ironicamente, penso que nesta parte o governo não nos faltou, posto que foi um treinador talentoso e muito dedicado na arte de nos transformar em campeões em viver com cada vez menos recursos e em paralelo a um envelhecimento inexorável.

Passada a euforia é inescapável voltar às considerações do porquê sofremos um calote desse naipe e por tanto tempo. É impossível não pensar no atropelamento perfeito, não um simples arranhão, desses que um band-aid da vida cura em poucas horas. Também não é possível parar de pensar – embora com nojo – nas personagens que permitiram esse golpe em nossos direitos. O que se passa no Brasil de hoje não classifica o caso Aerus/Varig como exceção – é própria regra. Os escândalos se sucedem e as mentiras em que se apoiam, idem. Tudo é passível de ser aparelhado e o que não cede à pressão perece. O poder atual não tolera o que não fica sob seu controle e aí, pode-se imaginar se a Varig sobreviveria num cenário perverso como este.

A natureza do ser humano abomina a submissão. Queremos estar no controle, ainda que numa sociedade moderna e complexa, esse controle tenha de estar em permanente negociação face às mudanças que ora nos concedem mais espaço vital, ora nos retiram um tanto dele. Fazer concessões e ganhar espaço por mérito faz parte da mecânica da sociedade.

Mas a liberdade individual, o senso de razoável comando da vida não pode ser alienado, posto que nem complexa nem moderna a sociedade seria sem o respeito a este valor fundamental. Mas é essa liberdade de controlar a própria vida que foi covardemente retirada dos trabalhadores da Varig. Pela via do calote garantido pela insegurança jurídica que só vendo sendo enfrentada muito recentemente, passamos quase nove anos sangrando nossa saúde, nossa poupança, nossa dignidade, literalmente... nossas vidas.

Essa gente até pode se dar bem, ficar décadas (knock on wood!) no poder, mas nunca poderá se eximir da responsabilidade pelo drama dos variguianos. Se para alguns, devido ao alívio temporário, não é hora de lembrar o que fez essa gente, aviso que é exatamente o oposto. Se nós que (ainda) passamos pela experiência deixarmos essa história virar fumaça, os que vierem depois de nós com certeza serão apenas cinzas.

A presente melhora da questão Varig/Aerus sinaliza que ainda existem autoridades que merecem respeito neste país, poucas é verdade, mas os juízes que tomaram as decisões justas e os parlamentares que nos apoiam merecem nossa gratidão. Mas essa pequena melhora da situação deve renovar nossa disposição de continuar cobrando. É só lembrar que a obstinada negativa em devolver o que nos tiraram não combina com a maneira leve e solta com que agiram para nos prejudicar.

Bom 2015 (que depende em grande parte de nós mesmos).
Título e Texto: José Carlos Bolognese, 5-1-2015

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Um comentário:

  1. William Richard Pupo Chacon7 de janeiro de 2015 às 23:55

    Ufa… que bom saber de notícias positivas, parabéns e que a justiça seja feita...

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