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Foto: Getty Images/Revista Veja |
Tenho escrito reiteradas vezes
que a crise econômica atual é reflexo do fracasso político da
social-democracia, força que ganhou musculatura desde o final da II Guerra e é
o modelo político imperante em quase todo o mundo, exceto China e Cuba,
comunistas (esqueço algum dinossauro?). A social-democracia é a tentativa contraditória
de implantar igualdade econômica e política, ao preço da supressão da lei
da escassez, o sonho socialista desde sempre. Sonho impossível, posto que
essa fórmula mágica não é conhecida e não sobrou remédio que não os
países adotarem a economia keynesiana como instrumento, o que
equivale a implantar o truque mefistofélico tão belamente cantado por Goethe no
magnífico poema Fausto, no começo do século XIX. A prosperidade inflacionária
pode ser obtida, sim, por certo tempo, mas seu preço é caro. Depois da alegria
do pileque embriagador vem sempre a desagradável ressaca e a respectiva dor de
cabeça.
Emitir moeda em profusão é
tomar pinga na boca da garrafa. É o que estamos a ver na União Européia, e não
apenas; nos EUA também, que seguiram por outras formas a mesma fórmula.
Aproveito dois artigos
publicados na página Três da Folha de São Paulo hoje para comentar o assunto. A
Folha propôs a pergunta: A crise dos países europeus ameaça a zona do
euro? Mario Ramos Ribeiro disse “Sim” como resposta, enquanto Roberto Luis Troster disse
“Não”. Ao ler ambos os artigos fiquei com a sensação de que os economistas
escaparam ao tema central da questão e suas repostas, aparentemente
contraditórias, na verdade convergiram no essencial.
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Foto: AFP |
A questão central não respondida
é que o modelo social-democrata inerente à zona do euro faliu. Não é possível
ter um Estado tão agigantado e pagante de contas para as quais não tem recursos
e nunca os terá, ainda que eleve a tributação aos céus. A social-democracia
vende aos eleitores a idéia de bem-estar social como sinônimo de enriquecimento
fácil e ócio gracioso: acesso a serviços caros e sofisticados por toda a gente,
sem a responsabilidade de trabalhar para obtê-los. Pior: o Estado quis bancar
um sistema irracional de aposentadorias sem um custeio prévio consistente.
Claro que déficits viriam a seu tempo e a bancarrota pública está evidente pela
situação de países como Grécia, Portugal e Itália. Do outro lado do Atlântico,
os EUA debatem-se no afogamento inflacionário sem precedentes (no momento Obama
precisa de autorização do Congresso para aumentar a dívida ainda mais e os
republicanos, que controlam a Casa, não parecem dispostos a ceder sem um
profundo corte nos gastos públicos, que decretaria o fim da social-democracia
norte-americana). O festim de gastos públicos no bem-estar social (locução mal
empregada, slogan publicitário enganador, eleitoral) levou à explosão da dívida
pública e da emissão de moeda, à inflação.
Roberto Luis Troste,
embora tenha dito “Não”, argumentou o óbvio: “Faltam também recursos e
autoridade para atuar de forma contundente quando aparecerem dificuldades”. Reparem
na palavra autoridade, voltarei a ela. Se faltam recursos,
obviamente há uma ameaça imediata à zona do euro. O autor não se apercebeu da
contradição com que argumentou, negando sua negativa. E, como a se sustentar
numa escora sonambúlica, completou: “O projeto do euro é um projeto
ganhador: há mais países interessados em fazer parte dele e as cotações da
moeda corroboram sua força. A integração do continente avança, mas ainda é
fraca”. Falso argumento porque não era essa a questão. O critério não é
saber se outros governos tolos querem, ou não, entrar no festim inflacionário.
É saber se o sistema se sustenta.
Sob a palavra “autoridade”
vejo que Troster enxerga a solução tecnocrática de um governo central
tirânico, que possa ditar a todos suas regras de gastos. Nem sei se tem
consciência disso, mas o suposto de sua defesa da moeda comum é a tirania, com a
abolição das autonomias nacionais. Em suma, o governo mundial sobreposto a
todas as instâncias loca. O pesadelo de todos aqueles que lutam e perseveram
pelas liberdades individuais.
O “Sim” de Mario Ramos
Ribeiro é mais consistente e mais lógico, embora convirja com Troster para
a saída tecnocrática e tirânica. Começa o artigo com uma pergunta muito
pertinente: “Quanto tempo pode resistir uma união monetária sem a
ocorrência conjunta de uma união fiscal? Ou, mais ainda, sem uma união política?”
O autor colocou o dedo na ferida: a união monetária carrega consigo o germe do
Estado totalitário, que poderá exigir o fim dos Estados nacionais e a
respectiva supressão das liberdades individuais.
Em seguida, Mário Ribeiro
Ramos argumentou, de forma assaz equivocada: “Crises financeiras são epifenômenos.
Estão apenas na superfície de uma doença mais profunda e ainda não declarada. O
fenômeno, que é a própria patologia, é a ‘crise de governança’.” Claro que
crises financeiras não são meros epifenômenos, são a crise em si. Mas
Ribeiro Ramos afirma essa bobagem porque julga, como bom tecnocrata que é, que
tem a chave para a superação dos problemas monetários. E qual é a chave? Claro,
a tirania. Dê a Bruxelas o poder de dizer a cada país, e até mesmo a cada
europeu, o que pode e o que não pode gastar, o quantum e em que, e aí
a crise monetária tornar-se-ia mero epifenômeno. É a crença de Milton
Friedman e de Keynes de que a humanidade conhece as leis monetárias últimas,
bastando, para administrá-las, que se dê aos tecnocratas o poder total sobre a
vida das pessoas e se transforme toda gente em escravos de um tirano mundial.
Mario Ramos Ribeiro é tão
ingênuo em sua crença tecnocrático-totalitária que escreveu, sem qualquer
pudor: “Governança na zona do euro requer regras do jogo bem
definidas, exige um mapa contratual em que as responsabilidades e a segregação
de atribuições sejam acordadas de modo supranacional, mas que não abafem o ethos
nacional de cada país-membro e que, assim, possam ser razoavelmente factíveis. Governança
requer instituições comuns.” Governança, nesses termos, requer apenas a
tirania, nada mais. O fim das liberdades.
O que esses dois não viram é
que é preciso seguir o caminho contrário ao da social-democracia: redução do
Estado, deixar o cidadão cuidar da sua própria vida, de sua sobrevivência, de
sua aposentadoria, de sua saúde. Não é preciso burocratas para gerir a vida
prática. Essa mentira política é a raiz da crise. Ela precisa ser desmascarada,
do contrário a tese de que só a tirania é que poderá superá-la pode prevalecer.
Deus nos livre e guarde dessa maldição, que é a mesma pensada por Hitler e
Lênin.
Título e Texto: Nivaldo Cordeiro, 16-07-2011
Enviado por Alvaro Pedreira de
Cerqueira (Resistência Democrática)
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Esse germe do estado totalitário, carregado pela União Européia, dá a impressão de estar esperando o momento oportuno para entrar em ação contra a autonomia das nações que a compõe. Bem-aventurados são os suiços, que evitam entrar para a UE, pois sabem que isto incorreria na perda da autonomia que desfrutam, há séculos, na Federação Suiça.
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