Vasco Lobo Xavier
Rui Rio declarou-se chocado com o espectáculo mediático. Não lhe ocorreu uma frase sobre a
gravidade das suspeitas mas considerou que o espectáculo mediático envergonha a
justiça, deixa-a na lama. “Chamaram a comunicação social para a detenção!”,
acusou ele. Eu estou a dar em doido: parece que uma parte substancial da
população portuguesa assistiu à detenção de Sócrates e eu, que me julgava
minimamente informado, eu, que passei a noite fatal agarrado às televisões e
computadores, eu, que gasto variado papel de jornal diário e semanal, nunca
consegui ver uma imagem, uma foto, um esboço da “mediática detenção” para a
qual “chamaram a comunicação social”. Já procurei em todo o lado mas deve haver
uma cabala para me privar dessas imagens. Durante muito tempo até pensei que
quem dizia semelhantes coisas era intelectualmente desonesto ou um refinado
mentiroso, coisa que não queria apontar a Rui Rio nem a muitos dos que se
queixam do mesmo. Peço então encarecidamente que me enviem as imagens dessa
detenção mediática, que eu não as conheço nem nunca vi. Pleeeeease!
Pelo que tenho lido, imaginem,
parece que se conseguiu deter um ex-PM sem ser perante as câmaras televisivas,
nem sequer um passageiro do avião logrou tirar uma foto rápida com o telemóvel.
Ao que parece, conseguiu fazer-se essa detenção só com o conhecimento prévio do
próprio, do seu filho e do seu advogado (que soube de véspera e de imediato se
foi reunir com ele em Paris). Paris onde estava desde quarta-feira depois de
ter almoçado na terça-feira com um antigo PGR, a quem queria oferecer um livro
e contar viagens, pelos vistos no mesmo dia em que Carlos Alexandre tinha
determinado a sua detenção. E não sem antes mandar limpar os computadores de
casa (tudo via Correio da Manhã, 4.12.14). Coincidências. É sempre a chatice
das coincidências. Mas isso já não choca Rui Rio. Nem a maioria das pessoas.
O que os choca é o espectáculo
mediático. Detenhamo-nos então sobre a coisa, pois é muito engraçada (este país
é, realmente, muito divertido). Vejamos: eu ainda não vi os magistrados a
debaterem publicamente o processo nem os factos a ele ligados. Não os vi
fazerem conferências de imprensa nem a comentar o assunto nem a passear-se
pelas televisões. Pelo contrário, vejo muitos dos que que se queixam das fugas
ao segredo de justiça a criticarem a mesma por não divulgar os fundamentos da
detenção, como se esta fosse livre para o fazer, o que me faz sempre sorrir com
gosto de tal desgosto.
Julgo que aqueles que criticam
o espectáculo mediático, como Rui Rio, não têm sequer a menor noção de que
estão a criticar – não a justiça – mas a própria comunicação social, que como
também não percebe essa evidência divulga alegremente as críticas sem se
aperceber que são para ela. O espectáculo mediático não é feito pela justiça,
mas pela comunicação social que vai filmar carros inocentes para o aeroporto e
se posta acampada à porta do presídio de Évora à espera que chova. Ou faça sol.
E que, na falta de melhor, entrevista os tolinhos do costume que se vão passear
para lá, com a certeza de aparecerem nos noticiários.
E escreve sobre a dieta do
sítio, da falta de água quente, do minuto em que foi ao wc, do tempo que faz e
do que fez, tudo numa histeria total. O que tem a justiça a ver com isso? Claro
que é notícia e vende jornais o acompanhamento da detenção de um antigo PM
suspeito de se ter alambazado com vinte e tal milhões e que vivia de uma forma
que até na América Latina, aqui há uns anos, não deixaria de levantar algumas
dúvidas. Claro que assim se percebe que a comunicação social se poste ali e
escreva sobre o que há e não há para contar. Mas o que tem a justiça a ver com
isso? Não é essa a liberdade de imprensa? E não é também a liberdade de
imprensa que justifica que alguma mais séria investigue, ao invés de de acampar
em Évora, e publique o resultado das suas investigações? O que tem a justiça a
ver com isso, com esse espectáculo? E essa liberdade de imprensa não deveria
obrigar qualquer jornalista sério a perguntar ao entrevistado, sempre que ele
se manifestasse chocado com as fugas ao segredo de imprensa, coisas tão simples
como: “sim, sim, está muito bem, e o que acha da gravidade dos crimes de que o
homem é acusado? O que tem a dizer sobre isso?”
Este país é muito divertido.
Eu também me sinto chocado. Com Rui Rio.
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