Maria Lucia Victor Barbosa
Em 9 de dezembro, de 2001,
escrevi um artigo intitulado “Os Companheiros” que foi publicado em alguns
blogs (O cão que fuma ainda não existia, NdE).
Transcreverei aqui trechos do referido artigo, para que se entenda melhor como
a URSAL começou.
“A conhecida frase ‘uma imagem
vale mais que mil palavras’, me veio à mente quando vi uma foto na capa do
primeiro caderno do jornal O Estado de S. Paulo. Nela estavam Fidel Castro e
Lula sentados lado a lado, barbas viradas de perfil uma para outra. O motivo
dos dois estarem mais uma vez juntos devia-se a uma reunião do Foro de São
Paulo que se realizava em Havana”.
Naquela ocasião Lula discursou
e “foi fundo no ataque a criação da Área de Livre Comércio das Américas –
ALCA”. Ele soltou o verbo e copiando
Hugo Chávez disse: ‘É um projeto de anexação que os Estados Unidos querem
impor. Será o fim da integração latino-americana”.
“Mas, qual seria, me
perguntei, essa tal integração no modelo Castro/Chávez/Lula? Quem sabe,
indaguei irônica, a criação da União das Republiquetas Socialistas da América
Latina - URSAL?”
Posterior à minha ficção
comecei a receber alguns e-mails de pessoas assustadas, que citavam a URSAL
como algo concreto. Em vão lhes dizia que aquilo não existia como se fosse uma
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS.
Porém, a URSAL da “Terra do
Nunca” havia tomado vida de um modo que não me dei conta até assistir ao debate
dos presidenciáveis na Band, realizado em 9 de agosto, portanto, dezessete anos
depois de ter escrito aquele artigo.
Como é de praxe, candidatos
procuram fulminar uns aos outros com perguntas difíceis, afim de sobrepujar o
concorrente e conquistar votos. Nesse sentido, o candidato Cabo Daciolo
(Patriota), inquiriu de modo enfático ao candidato Ciro Gomes (PDT): “O que
pode falar sobre o plano da URSAL? Tem algo a dizer à Nação Brasileira?”.
Espantado pela inusitada pergunta Ciro disse que desconhecia tal coisa.
Fiquei bastante surpresa com a
menção à URSAL e mais ainda com a repercussão da sigla, que suscitou a
curiosidade de jornalistas, de pessoas em geral e percorreu as redes sociais
com velocidade impressionante, ora como brincadeira e piada, ora como algo
existente ou simplesmente como projeto de poder da esquerda. Entretanto, em
lugar algum se poderá encontrar uma ata ou qualquer documento onde se possa ler
URSAL ou sua criação a significar a união de todos os países latino-americanos
dotados de um só governo, um só exército e idênticas diretrizes econômicas,
políticas e sociais.
A ideia de União de países
latino-americanos não é nova. Foi tentada por Simón Bolívar, primeiro com o
projeto de uma liga das nações americanas, depois com a Federação Andina
composta pela Nova Granada, Venezuela, Equador (unidades que constituíam a
Grande Colômbia), Peru e Bolívia. Não deu certo. Desiludido, Bolívar disse em
1830: “A América Latina é para nós ingovernável”.
Inspirado por Bolívar o argentino,
Manuel Ugarte, introduziu no começo do século XX o conceito de Pátria Grande,
considerada “desejável e necessária”, como forma de dar melhores condições aos
países latino-americanos de competir no cenário geopolítico mundial”. O sonho
não foi concretizado.
Em 1990 foi criado o Foro de
São Paulo, entidade que congrega partidos e movimentos de esquerda. Supõe-se
que em 2000 foram eleitos alguns presidentes influenciados pela ideologia do
Foro de São Paulo. Cada um dos presidentes, porém, manteve seu contexto
nacional e seus governos foram e têm sido um completo desastre político,
econômico e social que infelicitou os povos de seus respectivos países como,
aliás, sempre acontece com sistemas socialistas.
Em 2008, foi criada, pela
ideia de Hugo Chávez seguido por Lula, a União das Nações Sul-Americanas –
UNASUL, composta por doze países. A UNASUL está se desintegrando e mantém agora
apenas seis países.
Em 2010 foi criada a
Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos – CELLAC, que até hoje
não disse a que veio.
Nenhuma dessas entidades é a
URSAL, o que não impede formuladores de teorias conspiratórias de afirmar que
ela exista como um complô de dominação esquerdista.
Conforme o capitão Simonini,
personagem da notável obra de Umberto Eco, “O Cemitério de Praga”, “sempre
conheci pessoas que temiam o complô de algum inimigo oculto”. “Aí está uma
fórmula a preencher à vontade: a cada um o seu complô”.
Exímio falsificador de
documentos, Simonini escreveu a pedido de um russo os “Protocolos da reunião
dos rabinos no cemitério de Praga”. No cemitério inventado rabinos fictícios
disseram coisas terríveis e, assim, os “Os Protocolos” serviriam como arma
política de antissemitismo.
Afinal, como raciocinou
Simonini “basta falar uma coisa para fazê-la existir”. Às vezes, na “Terra do
Nunca”.
Título e Texto: Maria Lucia Victor Barbosa, socióloga.
3-9-2018
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