Aparecido Raimundo de Souza
Igualmente, descobri uma estranha
alteração de conduta estampada em cada pessoa com quem cruzei pelas ruas e
praças, assim como uma alomorfia que podia se ver e se sentir no vai-e-vem da
multidão afobada, atabalhoada, como se o planeta fosse explodir e se
desintegrar no minuto seguinte. Mesmo passo, pressenti algo incomum na
balbúrdia desembestada dos transportes coletivos que deixaram passageiros
furiosos e com as caras de tacho nos pontos de espera, ao longo das avenidas.
Até os semáforos, eu atinei, abriam
e fechavam rápido demais. Por todos os cantos e recantos se ouviam brados de
insatisfações e desprazeres. Reclamações e protestos brotavam do nada cortavam
o ar, apimentados com chuvas de palavrões ensandecidos de ódio e muita desolação.
Lembrava um edifício em chamas com todos seus ocupantes querendo sair ao mesmo
tempo numa babel confusa e algazarriante. Foi assim também com meus conhecidos
próximos. Eles cruzavam comigo aos trancos e empurrões, estampavam, em seus
rostos estarem possuídos pela cólera de Aquiles.
De repente, senti medo. E dentro
dele me ví bombardeado, preso, algemado em meio a escombros de muros que
desabavam de um lado e casas que ruíam de outro. Submetido à todas estas
loucuras e exacerbações aceleradas, qualquer coisa valeria a pena para me ver
livre e longe das fustigações e das barbáries, bem como das instantaneidades
melancólicas que, a cada segundo, cresciam ganhando dimensões maiores. Lembro
que, em contínuo, um carro, com o som muito alto, passou, ao largo dos meus
receios, anunciando, com estardalhaço, o caos irremediável de tudo.
Lembrei, entrementes, de Orwell, e associei o inferno em que ele estaria metido na hora em que deu vida e forma à “1984” e às suas “Horas de Ódio”. O que aconteceu, no dia de ontem, não era, ou não foi somente uma revolução momentânea. Havia uns quadros aterradores e em tempo real, onde a massa humana comprimida se debatia em neurastenias sôfregas, em busca, talvez, de algo não achado, ou não realizado. Num dado momento, me questionei: O que aconteceu com o mundo? O que aconteceu com o meu mundo?
Ao que tudo me indicou, a conclusão
final foi esta. O meu mundo ficou louco.
Pirou, assim sem mais nem menos. Qual seria o real motivo? A resposta estava
bem ali, diante dos meus olhos, atropelando meu nariz. Dito de forma mais
clara: o resumo se fazia precisamente agarrado nos ponteiros deste novo dia que
começava. Pensei comigo. E se alguém atropelasse as horas e parasse os
ponteiros, ou se, via igual, um louco varrido desse um basta no gigantesco
relógio que comandava o Universo? Quando
criança, bem recordo, ao avesso deste agora, eu queria que o tempo passasse
correndo.
Naqueles idos da minha infância, eu
detestava as horas em que perdia confinado no grupo escolar. Odiava as aulas de
educação física e matemática. Se pudesse, “botaria” os dois professores numa
máquina do tempo e mandaria as criaturas embrulhadas em papel de presente para
a tal da era glacial. Naquele tempo... no tempo do meu tempo, não havia
máquinas de tempo, nem tempo de sobra sobrando, para se pensar em algo mais
sério, ou numa solução plausível que interferisse diretamente no futuro.
Hoje, tantos anos à frente,
confesso, tenho saudades da linearidade da minha quadra risonha, dos meus
tempos de menino de calças curtas. Do útil inútil, das horas em que perdi nos
bancos da escola. Tenho vontade, certas vezes, de voltar às noites e dias dos
meus tempos de outrora, regressar aos dias de “ontem”, que pareciam mais
longos, mais amenos, sem os atropelos e as desgraças que hoje, neste exato
momento, pesam sobre os costados das metrópoles e me impedem de ser totalmente
feliz.
Naquele tempo que não para de ficar
cada vez mais distante... havia uma magia bucólica que deixava o tempo mais
suave e afável, onde eu e ela, ela e eu, a minha namoradinha de vestidinho
curto e franjinha cobrindo os olhos, éramos felizes e não sabíamos. Na verdade,
eu não percebia a grandiosidade de estar vivendo, vivendo e sonhando, sonhando
e vivendo, não atinava em aprender coisas novas. Tampouco criar vínculos que me
desviassem daquele paraíso onde eu era completamente feliz e dono de tudo, sem
mencionar a levíssima presença dos instantes imorredouros.
De igual forma, não me importava com
o presente que logo chegaria e me levaria, aos trambolhões por caminhos
incoerentes e não percorridos. Naquele tempo, não sabia, nem me dava conta de
que a Felicidade... ah! A Felicidade...
meu Deus, a Felicidade se escondia – não, não se escondia... morava, radiante,
tratável, urbana e sem máculas, pressurosa e incandescente, bem aqui dentro...
bem aqui dentro de mim. Hoje, incrivelmente este “dentro de mim” não mais
existe.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza. Home office do Sítio Shangri-La,
divisa do Espírito Santo com Minas Gerais. 29-10-2021
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