sexta-feira, 22 de outubro de 2021

[Aparecido rasga o verbo] Monopólio de relacionamentos secretos

Aparecido Raimundo de Souza 

A MADRE SUPERIORA havia acabado de transar com o  Reynaldo, um padre saradão, lindo de morrer. Sujeito alto, de corpo atlético, os cabelos lhe caiam lisos e compridos cobrindo toda a parte traseira do cangote. Possuia um rosto largo, os olhos verdes, a boca bem torneada. Contava vinte e cinco anos. Lembrava ligeiramente o Fábio de Melo. O rala e rola aconteceu (como sempre), no silêncio da cela da madre superiora, onde ambos acondicionados numa esteira estendida sobre o chão, evitavam os possíveis atropelos da cama antiga. Poderia, a velhacaria, com o balanço do móvel, despertar a atenção de curiosas. Antes de abrir a passagem capeada e botar o gostosão  definitivamente para fora do convento, resolveram atravessar  rapidamente pelo salão onde se realizavam bazares com doações vindas da comunidade, cuja finalidade principal não outra senão a conversão do dinheiro arrecadado para a mantença do abrigo de mulheres de rua.  

O padre Reynaldo queria, emprestada, a partitura de um hino sacro que ensaiaria com o coral de sua paróquia, para a quermesse que começaria na semana seguinte e sabia ter uma cópia nos arquivos da sala de música da sua freira amante.  Antes do beijo de língua e das derradeiras bolinações, as duas da manhã, entraram, como dois ladrões, pé ante pé, no espaço onde vários instrumentos formavam um conjunto harmônico. O cômodo ficava próximo da ala onde as demais irmãs da confraria dormiam o sono dos justos. Na hora em que o padre tirou do bolso interno da batina seu isqueiro e acendeu um cotoco de vela para melhor se orientarem, no breu reinante, a madre superiora, na procura pela folha de papel com as notações impressas da tal composição, soltou um gritinho de espanto e horror. 

Seu pasmo veio à baixo. Literalmente, a beldade corou espantada, ao dar com os olhos grudados naquilo.
— Meu Deus, padre. Não acredito!
— O que foi Benedita?
— Psiu! Não me chame pelo nome.
— Tá legal, desculpe.
— Olhe o que encontrei sobre a tampa deste instrumento.
Padre Reynaldo se aproximou com a luz tremeluzente.
— O que é isto?
— Não é um livro de orações, pode estar certo...
— Deixa ver mais de perto.

A madre superiora fazendo cara de nojo, apontou o achado ao prelado.
— É sinal (risos) que seus instrumentos, na calada da noite, andam fazendo coisas que não devem. Possivelmente uma serenata entre o violino faceiro e a bateria abrasada...
—... Engraçadinho. Isto é sério.
— Uma simples camisinha é algo serio?
— O que está por detrás dela é que é muito mais intrigante, padre!
— Vai ver —, e agora falando francamente —, uma de suas noviças resolveu seguir seus instintos bestiais, sair da clausura e desistir dos votos.
— Não é hora para piadas...
— Você não gosta da coisa? Por que as suas “mocinhas” seriam diferentes?
— Isto aqui é um convento. Não um puteiro. Esqueceu deste detalhe?
— E você é uma madre superiora. No entanto...

—... Me poupe dos seus detalhes sórdidos, por favor. Sei exatamente o que vai dizer.
— Quem acha que possa ser?
A madre superiora, antes de dar a resposta se acomodou na banqueta do piano.
— Acho que é uma das novatas recém chegadas. Resta saber qual delas.
— Se foram as ninfetas que vi chegando na Vam, domingo retrasado, acho pouco improvável.
— Por quê?
— Porque todas têm cara de santinhas.
— Do pau oco...
(Novos risos, quebraram a rigidez do assunto).
— Também pode ser uma das antigas.
— Duvido muito. As minhas religiosas levam a coisa à sério.

— Mas todas carregam uma perereca buliçosa no meio das pernas.
— Reynaldo, pelo amor de Deus. Estamos diante de um problema muito perigoso.
— Mais até que o nosso...
— Nem me lembre. Se alguém nos pega! A propósito: hoje você estava mais... como diria, mais grosso! O que fez? Acaso acrescentou fermento ao bigorrilho?
— Estou como sempre. Normal. Você é que estava quente e subindo pelas paredes. Na hora em que desfrutava dos seus escondidinhos, no momento em que mandei brasa nos pontos secretos, percebi que os seus.... que os seus terminais nervosos pareciam combustos demais e doidos para voltarem a me engolir...
— E melhor você dar o fora, antes que eu caia em tentação. Daqui a pouco amanhece...
— Depois do beijo, prometo que irei em paz.

— Telefona?
— Telefono. Vai à missa amanhã cedo, digo daqui a pouco?
— Não prometo. Antes tenho que tirar isto à limpo.
— Boa sorte.

Padre Reynaldo apagou o cotoco de vela, agarrou a madre superiora pelas costas à altura da cintura e imprimiu um gingado ao corpo, como se estivesse fazendo sexo com ela.
— Caia fora, seu taradinho. Olhe como está seu brinquedo...
— Pronto, como sempre, para entrar pelos desvãos do seu convento...
— Comporte-se. Pegue a sua partitura e dê o fora.
— Desculpe. Foi mal...

O sacerdote seguiu a madre superiora até onde uma passagem camuflada abria caminho ao desconhecido que acessava para uma parte desusada além dos muros do prebistério.

Manhã seguinte, às seis horas, a madre superiora mandou reunir as recém chegadas na capela, antes de servido o dejejum. Acanhada e bastante trêmula, pegou o microfone e começou um pequeno sermão:
— Ultimamente ando preocupada com todas vocês, principalmente com as noviças que vieram para cá a menos de uma semana... achei isto...
Ao contínuo, exibiu a camisinha de vênus que achara sobre o piano. O burburinho se fez desfalecido, quase sepulcral. Não se ouvia nem o barulho do vento entrando pelas janelas abertas que trazia, junto, a visão indescritível de um dia bonito com um sol radiante, se estendendo além paisagem.
— Alguém pode fazer o favor de explicar?
Uma das novatas, de pronto, se adiantou e meio receosa, pediu a palavra.
— Vá em frente, Djanira...
— Foi eu que usei...
— Com quem, sua despudorada?!
— Madre, mil perdões. Aconteceu tipo assim: levantei a saia que cobria o órgão, lubrifiquei as teclas, mas, na hora agá, o bicho, digo, a nota ré, resolveu não tocar...

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, do Sítio Shangri-La, divisa do Espírito Santo e Minas Gerais.

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2 comentários:

  1. O texto acima nos leva à certeza de que nem nas feiras podemos confiar. Quanto a noviça Djanira, se mostrou uma boa estrategista sábia e porreta, no sentido de arranjar um álibi perfeito, onde não se entregou, nem entregou ninguém. Em poucas palavras e usando de uma astúcia simples, e, ao mesmo tempo cavilosa e bem engendrada disse tudo sem dizer nada, ou seja deu o recado usando uma capciosidade que deixou a madre superiora pasma e sem saída. A religiosa Benedita que se cuide, ou logo será substituída da atual função.
    Carina
    Ca
    Sitio Shangri-Lá - divisa do Espírito Santo com Minas Gerais.

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  2. DESCULPEM A GAFE. No meu comentário, feito em 22 de outubro, eu escrevi 'O texto acima nos leva à certeza de que nem nas 'feiras...'". A palavra correta, seria freira. Portanto, 'O Texto acima nos leva à certeza de que nem nas freiras podemos confiar'.
    Carina
    Ca
    Sítio Shangri-Lá - divisa do Espírito Santo com Minas Gerais.

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