Haroldo Barboza
Entre centenas de exemplos
possíveis, de forma hipotética montei esta fábula que não está muito longe do
que costuma acontecer mais perto do que imaginamos.
Bia, 28 anos, solteira,
moradora num condomínio médio sem altos luxos, não completou o terceiro ano na
faculdade de administração. Acabou cabeleireira, como a mãe (já falecida) num
salão mais afastado do prédio onde morava com o pai aposentado do serviço
público.
Num límpido dia de fevereiro,
teve a ideia de criar uma cooperativa para ampliar suas possibilidades de altas
melhoras financeiras com redução de trabalho.
Convidou dois colegas do
próprio prédio, mais nove de ruas adjacentes e quatro que residiam a mais de uma
hora dentro de coletivos apertados.
Marcou um churrasco no play. Bebidas e músicas (DVDs) por conta dela. Cada participante (15) pagaria R$ 30,00 pela carne, arroz e maionese que seu pai preparava com esmero.
Usando Power Point e Excel
(boas ferramentas ajudam a “convencer” os assistentes) apresentou seu plano às
futuras parceiras.
Havia uma casa a duas quadras
de distância a ser alugada e que apresentava as seguintes qualidades:
- pelo menos 3 m² para cada
uma das parceiras montar seu espaço (cabelo, manicure, calista);
- dois banheiros para clientes
e um para as sócias;
- uma copa para próprias
refeições e preparo de sucos, chás e cafés para futuras clientes;
- um jardim frontal de quase
12 m² já com flores e onde será possível atrair pássaros para alegrar o
ambiente;
- espaço para estacionar seis carros no quintal;
- uma casa menor no fundo do
quintal onde o locador, Sr. Euzébio (72 anos), vai residir com seu fiel pastor
alemão. Além de ser adequado “vigia noturno”, ele entende de jardinagem,
hidráulica, eletricidade e alvenaria. Será muito útil em eventuais manutenções,
talvez com valores 50% a menos do que o preço médio destes profissionais. Além
do que é do interesse dele manter seu patrimônio em bom estado. Vai que dentro
de dez anos as sócias mudem para novo endereço na Barra da Tijuca, onde terão
clientes com maior poder aquisitivo?
Bia exibiu um filme de cinco
minutos do local, do jardim ao compartimento de guarda do material de limpeza.
Quanto às obras de acabamento para começarem a funcionar (até trinta dias no
máximo), Sr. Euzébio fará a colocação de piso frio claro, espelhos para os
clientes, armários individuais para nossos materiais de trabalho, bancada de
atendimento ao público, conserto do micro-onda etc.
A seguir anunciou os custos de
investimentos:
Ele até agora não conseguiu
alugar o imóvel pois estava pedindo cerca de R$ 10.000,00 (+ IPTU) pelo aluguel
da casa. Bia alegou com ele que a casa não seria estragada por não ter crianças
e não seria usada como dormitório. Por isto conseguiu (*)
um contrato mais favorável (inclusive para o pagamento de imposto de renda
dele):
R$ 4.000,00 fixo de aluguel
mensal por três anos (no contrato);
R$ 4.000,00 (por fora, tipo
“rachadinha”);
Isenção do IPTU.
Quanto às obras de acabamento,
ele vai dividir em doze prestações suaves de R$ 600,00.
Após servida a sobremesa (gelatina com conhaque), Bia exibiu o documento (com fidelidade garantida quanto a serviços de manutenção) já com assinatura do locador e espaço para as assinaturas das dezesseis sócias interessadas. Enfatizou que se alguma colega tivesse um projeto similar a ser comparado, “democraticamente” ele seria exposto para a turma escolher o melhor para o grupo. Só não poderia demorar mais de três (?) dias, concedidos pelo Sr. Zenóbio para concretizar o negócio.
Depois de três copos de
cerveja, carne, farofa e conhaque, quem recusaria tal contrato? Inclusive
aceitaram “democraticamente” o nome “Biacoop - penteados modernos” sugerido por
Bia, a ser colocado no letreiro luminoso de entrada. Rapidamente Bia solicitou
a assinatura do documento em pauta bem como o da criação da Biacoop a ser
registrada em cartório e obtenção do CNPJ para legalizar a organização.
Com um sorteio (surpresa) de
dois ingressos para desfile de escola de samba, anunciou nova reunião na semana
seguinte para “votação democrática” do estatuto da Biacoop. A alegre confraternização terminou com uma
aclamação generalizada por parte das convidadas, que gritavam a plenos pulmões:
- Usa, usa, usa. Bia é nossa
musa!
(*)
= Numa noite chuvosa da semana anterior, Bia esteve na casa com Zenóbio,
levando um conhaque “paraguaio”. Alegando estar noiva de um policial, fez dança
do ventre usando apenas sutiã e calcinha ao som de uma lambada cubana. Após o 3º
cálice e elogios aos seus dotes, Zenóbio desmaiou. Bia abriu o zíper da bermuda
do anfitrião, lambuzou a cueca dele com duas colheradas de creme de leite e
pingou duas gotas de água sanitária na área. Saiu do local sorrateiramente
trazendo o conhaque, o contrato de locação e uma folha assinada por ele onde
constava que Bia seria ressarcida do pagamento mensal “por fora” e das
mensalidades das obras de acabamento. Tal ação não foi divulgada entre as
futuras sócias.
Título e Texto: Haroldo Barboza, 25-10-2025
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Que reste-t-il de la démocratie ? Tout, hélas
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[Dossiê: A Democracia] Apresentação e Convite
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