sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Não vou mais criticar o STF

Vivemos num estado policialesco, numa “ditadura da toga”. Não há mais império das leis, até porque as leis podem ser inventadas do nada 

Rodrigo Constantino

O recado foi dado. E compreendido. Há crime de opinião em nosso país. Grupos em redes sociais podem virar “milícias virtuais” perigosas se algum ministro supremo assim entender. Até mesmo um jornalista pode ser preso se subir o tom nas críticas contra o arbítrio do STF. Caso ele tenha ido para um país mais livre, com receio desse tipo de perseguição, isso poderá ser encarado como fuga da Justiça, e um pedido para extraditar o “fugitivo” será acatado pela Corte Suprema, apesar de a PGR discordar.

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Traduzindo de forma direta, vivemos num estado policialesco, numa “ditadura da toga”. Não há mais Estado Democrático de Direito, império das leis, até porque as leis podem ser inventadas do nada. Não há, afinal, crime de opinião em nosso sistema, tampouco o de espalhar fake news — sabe-se lá por quem definidas essas mentiras. Logo, a lei hoje é aquilo que Alexandre determina. E o tucano não gosta muito de “bolsonaristas”. Conta com a cumplicidade da imprensa para persegui-los em paz, inclusive jornalistas, que serão chamados de “blogueiros” para não despertar a necessidade de uma reação das entidades de classe.

A corda não foi esticada; ela já arrebentou. Aquela conversa entre Bolsonaro e o ministro não foi um apaziguamento, mas uma rendição, pelo visto. E isso depois de milhões tomarem as ruas justamente para defender a liberdade, a Constituição. Foi um rugido forte, de um leão acuado. Mas foi só barulho. A montanha pariu um rato. O lado de lá continuou avançando, e subindo o sarrafo. Mudou de patamar, escolheu alvos mais relevantes, demonstrou todo o seu poder ilimitado. Ninguém mais está seguro, ao menos não quem enxerga graves defeitos na postura do atual STF.

Vou escrever sobre música, sobre culinária, sobre alienígenas

E o pior de tudo é ver a turma “liberal” aplaudindo, por não gostar do jornalista alvo do pedido bizarro de prisão. Essa gente não tem princípios, e não se dá conta de que a arma sem freios que hoje mira em seus adversários amanhã poderá se voltar contra qualquer um. O ambiente é tóxico, e a tática está produzindo o efeito desejado: aqueles independentes começam a praticar a autocensura, com medo das consequências de uma crítica mais dura.

Falo por mim. Muitos leitores elogiam minha coragem, mas não tenho vocação para mártir. Está claro que o arbítrio supremo não tem limites, e que ninguém tem como parar o homem. É por isso que decidi não mais criticar o STF. Está claro que se trata de um tribunal de exceção, de uma corte política, não constitucional. Impossibilitado de saber a priori o que configura crime ou não, já que não tenho como me calcar na Constituição ou no Código Penal, prefiro então simplesmente encerrar qualquer análise sobre o Supremo. Vou escrever sobre música, sobre culinária, sobre alienígenas.

Resolvo também só chamar os ministros de vossas excelências, ou mesmo deuses, se eles assim preferirem. Reconheço em Alexandre uma figura acima do bem e do mal, das leis, da Constituição. Admito sua vitória absoluta, assim como seu poder absoluto. E é por essa razão que comunico ao todo-poderoso que, a partir de hoje, ele tem total controle sobre a minha vida. Se Alexandre decidir que devo me tornar um vegano, adeus carne. Se Alexandre resolver que é para eu ser abstêmio, adeus vinho. Posso até ver o copo meio cheio: ao menos vou perder uns quilos…

Estou numa peregrinação espiritual que vem me aproximando mais de Deus, mas absorvi o alerta de Jesus Cristo, e saberei separar as coisas: a César o que é de César. E nosso César é Alexandre, o Grande. No Juízo Final terei um julgamento que, estou certo, será mais justo. Mas, aqui na Terra, nesta vida, abandonei as esperanças e entreguei minha liberdade ao homem mais poderoso do Brasil, quiçá do planeta. Espero apenas que Alexandre não ache ruim meu hobby de tocar bateria, pois isso seria triste de perder. Mas estou disposto a só tocar as músicas que agradam ao ministro.

De tempos em tempos lanço mão da ironia como artifício retórico, mas se Alexandre julgar isso inadequado, adeus ironia. A partir de hoje, prometo andar na linha. Qual? Difícil dizer, pois não tenho bola de cristal para inferir o que Alexandre pensa. Mas farei meu melhor para tentar antecipar seus passos e atender a suas expectativas. Reconhecer virtudes neste governo, por exemplo, está fora de cogitação. Já penso até mesmo em me filiar ao PSDB, só por precaução. Imagino que seja um ato merecedor de muitos pontos com o ministro. Se for necessário dizer uma ou duas palavras de elogio ao governador oportunista de São Paulo, tomo um Engov e digo. Alexandre é quem manda.

Tenho família para sustentar, filhos para criar e, como já disse, não tenho a menor vontade de ser mártir. Alexandre foi bem claro em transmitir seu recado. Captado, amado mestre. Diga-me o que pensar sobre cada assunto polêmico, e este será meu pensamento. Ou ao menos a minha expressão do pensamento em público. Manda quem pode; obedece quem tem juízo. Não vou mais criticar o STF ditatorial a partir de hoje.

Título e Texto: Rodrigo Constantino, revista OESTE, nº 83, 22-10-2021

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