Tem até 'crime contra a humanidade' no
relatório de Renan Calheiros, mas de roubo mesmo, que é bom, nada
J. R. Guzzo
À primeira vista, parece que há algum engano. À segunda vista também. Mas o fato é que a “CPI da Covid”, desde abril último o tema número um do noticiário nacional, do ambiente político e das forças que não suportam a existência física do governo Bolsonaro, chegou ao seu fim sem saber de quais crimes, exatamente, acusar o presidente da República. Mas os acusadores não tiveram seis meses, milhões de reais de dinheiro público e poderes de Corte Suprema para fazer justamente isso? Tiveram, mas não foram capazes de atingir nem esta nota mínima de competência.
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado |
Ao fim, após torturadas idas e
vindas de última hora, acabaram tirando da acusação o crime de “genocídio” — o
mais patético da lista, algo que não seria levado a sério nem num centro
acadêmico de faculdade de Direito. Como assim, “genocídio”, se isso é
expressamente definido na lei brasileira como a ação cometida, deliberadamente,
para destruir “grupo nacional, étnico, racial ou religioso”? Se nem sobre uma
barbaridade dessas os inquisidores conseguiram se entender, é óbvio que nada de
bom se pode esperar do resto.
Bolsonaro é acusado, por exemplo, do crime de “epidemia” — que consiste, segundo está escrito da maneira mais clara possível no artigo 267 do Código Penal Brasileiro, em “causar epidemia mediante a propagação de germes patogênicos”. O presidente da República pode ser um monstro incontrolável, como sustenta a CPI, mas não foi ele, realmente, quem trouxe o coronavírus para o Brasil, ou espalhou o bicho por aí. Citam-se, também, os delitos de falta de planejamento, distribuição de cloroquina e até, quem diria?, crimes contra a humanidade. Estaria a CPI, nesse caso, acusando Bolsonaro de provocar mortes na Suécia ou na Mongólia Exterior? A conferir.
O relatório final da CPI, que
na verdade não é exatamente final, ao longo de 1.000 páginas — isso mesmo,
1.000 páginas —, acusa o presidente de nove crimes diferentes; outras 66 também
pessoas são denunciadas. Mas não aparece, em todo esse tremendo papelório, um
único crime de corrupção — que é sempre o começo, meio e fim de qualquer
investigação que se preze, em qualquer época, sobre qualquer governo. A CPI prometeu,
durante meses a fio, que ia provar ladroagem grossa. Não entregou nada — nem
tentou incluir, na base do chute, alguma acusação de roubalheira nos nove
crimes que imputa a Bolsonaro. Tem até “crime contra a humanidade”, mas de
roubo mesmo, que é bom, nada. Seis meses de gritaria, para isso? É pouco.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Estado de S. Paulo, via revista OESTE, 20-10-2021, 18h
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