Aparecido Raimundo de Souza
A jovem, com um sorriso sem graça,
de quem comeu alguma coisa e não gostou, me entregou, uma folhinha tão pequena,
tão minúscula, que mal consegui escrever meu nome, e-mail e o número do
telefone para entregá-los a uma senhorita que havia se sentado na mesa ao lado,
e, a gente (enquanto esperávamos as nossas refeições), entabulou uma amigável e
amável conversa. A bela (não a do caixa, da mesa ao lado, sempre é bom
repetir), me disse se chamar Doralice. Tinha vinte e seis anos, se formara professora de educação física e preparava, em
sua academia, perto dali, crianças de ambos os sexos para apresentações em
programas de televisão.
Papeamos por um bom tempo, o que levou a criatura, a certa altura, e a convite meu, passar a mão em suas coisas e dividir comigo o mesmo espaço da mesa. Depois de satisfeitas as nossas barrigas, despedimos com tudo o que tínhamos direito, ambos com os olhos cheios de coraçõezinhos pulsantes e, nas palavras, a promessa de logo nos falarmos, outra vez, por telefone. Voltando à criatura do caixa, e seu ridículo pedacinho de papel, menor que o de uma bala de chupar, tal fato me deixou muito irritado e pê da vida.
A partir de então, passei a
carregar, na bolsa, à tira colo, e também na mala de viagem, uma caderneta para
não me estressar novamente diante da insensatez das pessoas e da burrice delas,
quando a gente pede um pedacinho de papel para agendar alguma coisa de última
hora. Depois do caso passado, juro por tudo quanto é sagrado, me subiu, pelas
ventas, uma vontade quase anormal, infrequente —, diria —, de (na hora de pagar
a conta) devolver à fulaninha insípida e
sem o sal preciso para temperar seus modos, sentada no caixa do
estabelecimento, como uma pamonha, o diminuto papelzinho.
Na verdade, o meu impulso, não outro
senão o de sugerir, com toda educação e polidez, que ela enfiasse o dito
pedacinho de papel solicitado em seu volumoso (e que volumoso!) nariz. A meu resumo, a desinteressante era bonitinha,
contudo ordinária, mais ordinária que bonitinha, sem tirar nem pôr, em vista da
tirinha de papelzinho que me obsequiara. Sem dúvida alguma, a desgranhenta se
parecia, em todos os sentidos, com a versão feminina do Luciano Huck. Por
educação, engoli a vontade. Dei meia volta e deixei definitivamente o local.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza. De Serrana, interior de São Paulo. 19-10-2021
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