Numa época em que o pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório, a voz de um atleta levantou um movimento inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia
Ana Paula Henkel
Um dos eventos mais marcantes
da história política norte-americana foi a crise dos mísseis cubanos (retratada
no brilhante filme Treze Dias que Abalaram o Mundo). Foi quando os
líderes dos Estados Unidos e da União Soviética se envolveram em um tenso
impasse político e militar em outubro de 1962 sobre a instalação de mísseis
soviéticos com armas nucleares em Cuba, a pouco mais de 140 quilômetros da
costa dos EUA.
Em um discurso na TV em 22 de
outubro de 1962, o presidente John F. Kennedy notificou os americanos sobre a
presença dos mísseis, explicou sua decisão de decretar um bloqueio naval em
torno de Cuba e deixou claro que os EUA estavam preparados para usar força
militar, se necessário, para neutralizar qualquer ameaça à segurança nacional.
Depois dessa notícia, muitas pessoas temeram que o mundo estivesse à beira de
uma guerra nuclear. No entanto, o desastre foi evitado quando os Estados Unidos
concordaram com a oferta do líder soviético Nikita Khrushchev de remover os
mísseis cubanos em troca da promessa dos americanos de não invadir Cuba e de
retirarem seus mísseis da Turquia.
O que muitos não sabem é a
história por trás desse episódio, agora retratada em The Courier,
outro excelente filme produzido no ano passado. O Espião Inglês,
como foi lançado no Brasil, conta a história real de Greville Wynne, um
empresário britânico que ajudou o MI6, a agência britânica de Inteligência, a
penetrar no programa nuclear soviético durante a Guerra Fria. Wynne e sua fonte
no governo soviético, Oleg Penkovsky, forneceram aos americanos informações
cruciais que encerraram exatamente a crise dos mísseis cubanos na administração
de JFK na Casa Branca.
Sem maiores spoilers,
há uma cena em que Wynne e Penkovsky conversam sobre a excepcionalidade do que
estão dispostos a fazer, avisar os americanos sobre os detalhes de todo o
esquema dos mísseis soviéticos em Cuba. Sentados à mesa em um falso almoço de
negócios, eles conversam sobre os grandes riscos do trabalho de espionagem e a
esperança de evitar uma possível tragédia nuclear, quando Penkovsky diz ao
britânico: “Talvez sejamos apenas duas pessoas. Mas é assim que as coisas
mudam”.
A cena imediatamente veio à minha mente diante do fato esportivo que chamou minha atenção nesta semana. Numa época em que o pagamento de pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório para atletas e celebridades, e questionar virou sinônimo de “ameaça à democracia”, uma voz levantou um movimento totalmente inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia. Jonathan Isaac, jogador do Orlando Magic, emergiu como um convincente defensor dos sagrados princípios da liberdade, do bom senso e da decência cívica tão presentes no DNA da América. Isaac se posicionou contra o passaporte vacinal obrigatório, como uma voz da razão contra a mídia e o establishment que desprezam e rotulam os não vacinados como anticientíficos. Na verdade, as entrevistas de Isaac ressaltam quão anticientífico o discurso sobre a covid se tornou: “Todos devem ser livres para tomar decisões por si próprios”, disse ele, acrescentando que acredita que o governo “está estabelecendo um precedente em que, à luz de qualquer emergência, sua autonomia pessoal, sua liberdade religiosa e, honestamente, sua liberdade como um todo tornam-se negociáveis”.
A revista Rolling
Stone logo tratou de publicar uma entrevista com Isaac tentando
retratá-lo como “mais um contra as vacinas”. Apesar de ter apenas 24 anos,
Isaac tem se mostrado extremamente maduro e preparado, e, logo após a
publicação da revista, rebateu: “Não sou antivacina”. “Não sou antimedicamento.
Não sou anticiência. Não cheguei ao meu estado atual de vacinação estudando a
história dos negros ou assistindo às coletivas de imprensa de Donald Trump.
Tenho o máximo respeito por todos os profissionais de saúde e pessoas que
trabalharam incansavelmente para nos manter seguros. Minha mãe trabalha na área
de saúde há muito tempo. Sou grato por viver em uma sociedade em que as vacinas
são possíveis e temos os meios para nos proteger. Mas, dito isso, minha
convicção é que o status de vacinação de cada pessoa deve ser
sua própria escolha, sem intimidação, sem ser pressionado ou coagido a fazê-lo.
Não tenho vergonha de dizer que não estou confortável em tomar a vacina nesse
momento. Acho que somos todos diferentes. Todos nós viemos de lugares
diferentes, tivemos experiências diferentes e nos preocupamos com diferentes
crenças. E o que você faz com o seu corpo quando se trata de colocar
medicamentos nele deve ser uma escolha pessoal, livre do ridículo e da opinião
dos outros.”
Não pense que Jonathan Isaac
parou por aí. Ele foi muito além e trouxe o que muitos, inclusive milhares de
médicos lobistas das big pharmas, tentam esconder — a imunidade de
quem passou pela doença: “Já tive covid no passado, e, portanto, nossa
compreensão dos anticorpos, da imunidade natural mudou muito desde o início da
pandemia e ainda está evoluindo”, afirmou. “Entendo que a vacina poderia ajudar
a ter menos sintomas se você contrair o vírus. Mas, tendo passado e tendo
anticorpos, com a minha faixa etária e nível de aptidão física, uma reinfecção
não é necessariamente um medo que tenho. Tomar a vacina, como eu disse,
diminuiria minhas chances de ter uma reação grave, mas me abre para a
possibilidade de ter uma reação adversa à própria vacina. Você ainda pode pegar
covid com ou sem a vacina. Eu diria honestamente que a loucura de tudo está em
não sermos capazes de dizer que isso deveria ser uma escolha justa de cada um,
sem ser rebaixado ou considerado maluco. Há algumas das razões pelas quais
estou hesitante em tomar a vacina nesse momento. Mas, no fim, não acho que há
motivo para alguém dizer ‘É por isso’ ou ‘Não é por isso’ para que alguém tome
ou não. Isso deve ser apenas uma decisão de cada um. E amar o próximo não é
apenas amar aqueles que concordam com você, se parecem com você ou agem da
mesma maneira que você.”
Jonathan Isaac mostra que está
em uma posição totalmente razoável para ser assumida, e que é abandonada por
muitos por medo, bullying ou simplesmente pela prostituição
intelectual. Ele está na casa dos 20 anos, tem imunidade natural e está
fisicamente mais saudável do que qualquer pessoa de sua idade. Na verdade,
durante todo o curso da pandemia, o número total de pessoas entre 15 e 24 anos
(faixa etária de Isaac) que morreram de covid nos EUA, um país com 330 milhões
de pessoas, é de 1.372: menos do que o número de mortes por pneumonia não
associada à covid para o mesmo grupo etário.
E como muitos exemplos de
coragem na história, Jonathan Isaac quebrou o canto da atual sereia dos
burocratas que, de suas salas em algum prédio com o metro quadrado mais caro de
Washington, Berlim ou Bruxelas, decidem a sua vida por você, sem que você possa
apresentar nenhum questionamento. Tome a vacina e cale a boca, fascista. Isaac
provocou um efeito dominó sem precedentes na espiral de silêncio da NBA.
Draymond Green, do Golden State Warriors, e Kyrie Irving, do Brooklyn Nets,
também decidiram levantar a voz, com calma, razão e tolerância em meio a um
pânico moral sobre as vacinas contra a covid, empurradas implacavelmente pela
mídia corporativa, por lobistas e políticos.
Green falou em nome de milhões
pelo mundo durante uma coletiva de imprensa na semana passada, quando disse que
o debate sobre a picada contra a covid “se transformou em uma guerra política”
e que, com decisões médicas como tomar a vacina, “você tem de honrar os
sentimentos das pessoas e suas próprias crenças pessoais. Forçar as pessoas a
tomar a vacina vai contra tudo o que a América defende”. Draymond Green, assim
como a maioria dos jogadores da NBA, optou por tomar a vacina contra a covid,
mas Green entende o que muitos jornazistas aparentemente fazem questão de não
entender, que receber ou não a vacina deve ser um assunto privado, assim como
qualquer outra decisão médica, e que ninguém deve ser coagido a isso.
Jonathan
Isaac tem o espírito de homens corajosos, tão raros hoje em dia
Outro atleta da NBA que
decidiu se pronunciar foi Bradley Beal, do Washington Wizards. Beal
também parece ter uma compreensão mais firme da liberdade de consciência e
expressão do que toda a imprensa que o atacou repetidamente por sua hesitação
em se vacinar por motivos pessoais. “Uma coisa que quero deixar clara é que não
estou aqui defendendo ou fazendo campanha ‘Não, você não deveria tomar essa
vacina’”, disse Beal, depois de lhe perguntarem sobre a eficácia das vacinas.
“Não estou dizendo que são ruins. Não estou aqui dizendo que você não deveria
tomá-las, mas que é uma decisão pessoal de cada indivíduo. Tenho o direito de
manter essa decisão comigo ou com minha família e gostaria que todos
respeitassem isso.”
Em 2020, quando jogadores negros famosos e milionários da NBA, vestidos com camisas do grupo Black Lives Matter, se ajoelharam durante o hino norte-americano contra o “racismo sistêmico” na América, Jonathan Isaac, negro, permaneceu de pé e disse que “ajoelhar ou vestir uma camiseta não era resposta para nada”, que “as vidas dos negros e todas as vidas eram sustentadas pelo Evangelho” e que apenas com a união de todos muitos problemas seriam confrontados, não apenas o racismo. O atual efeito cascata de vozes que se levantam para a defesa inviolável da verdade e da liberdade médica, iniciado pela bravura de Jonathan Isaac, parece que não vai parar. Atletas da NFL — a liga profissional de futebol americano — começaram a se portar publicamente contra o passaporte sanitário e a obrigatoriedade da vacina.
Jonathan Isaac tem o espírito
de homens corajosos, tão raros hoje em dia. Homens com princípios basilares que
viveram através de séculos por causa de seus legados. Princípios que podem
transcender gerações, porque eles são maiores que elas. São a sobrevivência da
civilização ocidental. Princípios que vencem regimes totalitários e seus
ditadores, que derrubam muros e evitam crises nucleares.
Jonathan Isaac não é nenhum
espião treinado para combater forças ocultas dos inimigos de seu país, mas seu
espírito simboliza o significado do hino de sua nação — ainda pilar da
liberdade no mundo —, sustentada por homens de valores inegociáveis: Land of
the free because of the brave. Às vezes, não são necessárias nem duas
pessoas para que algo mude. Uma apenas basta. Criem seus filhos para serem como
Jonathan Isaac.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista
OESTE, nº 81, 8-10-2021
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