Ludwig von Mises foi o maior expoente da
Escola Austríaca e era intransigente com qualquer tipo de intervencionismo
estatal
Rodrigo Constantino
Nesta semana foi celebrado o 140º aniversário de Ludwig von Mises, conhecido como “o último cavalheiro do liberalismo”. O economista foi o maior expoente da Escola Austríaca e era intransigente com qualquer tipo de intervencionismo estatal. Numa reunião da Mont Pelerin Society, chegou a lamentar que todos ali presentes fossem “socialistas”. Graças ao esforço de entidades como o Instituto Mises, seu nome se torna cada vez mais conhecido no Brasil, a ponto de vermos faixas em passeatas patriotas pedindo mais Mises e menos Marx.
Ludwig von Mises era filho de
engenheiro ferroviário. Nascido em Lemberg, em 1881, à época território do
Império Austro-Húngaro, sua família tinha origem judaica e título de nobreza,
concedido pouco antes de seu nascimento pelo imperador Francisco José I. Entre
1909 e 1934, foi o principal conselheiro econômico do governo austríaco na
Câmara de Comércio de Viena, onde afirmava que sua função era “dizer o que os
políticos não poderiam fazer”. Nesse ínterim, também lecionou na Universidade
de Viena.
Quando os nazistas avançavam
pela França em 1940, Mises e sua esposa tiveram de fugir para os Estados
Unidos. Sua casa em Viena foi saqueada pelos comandados de Adolf Hitler, que
pilharam livros, documentos e seus ativos. O Reich Alemão o considerava “um
arqui-inimigo do nacional-socialismo e de qualquer outro tipo de socialismo”.
Após o final da guerra, descobriu-se que a Gestapo detinha 10 mil documentos de
Mises, liberados apenas após o fim da União Soviética.
Ao chegar aos Estados Unidos,
Mises deparou com a fama de um economista cujas teorias eram bem diferentes das
suas. Tratava-se de John M. Keynes, que acabou popularizando a macroeconomia e
defendendo um ativismo estatal que Mises e seu colega austríaco Hayek
consideravam bastante prejudiciais à economia, especialmente aos mais pobres.
Ambos publicaram diversos livros refutando essas teorias e embasando uma defesa
filosófica e econômica do liberalismo.
Mises foi um defensor ferrenho
da liberdade individual. Ele acreditava que o liberalismo tinha de triunfar por
meio do poder das ideias, da persuasão com base em sólidos argumentos. Somente
pelas vias democráticas o liberalismo poderia vencer seus inimigos no longo
prazo. Mises sempre soube das inúmeras imperfeições da democracia, que não é
exatamente louvável por sua capacidade de boas escolhas, mas ainda assim
defendeu com unhas e dentes o modelo democrático. O principal motivo era
semelhante ao que Karl Popper tinha em mente: a democracia é a forma mais
pacífica que conhecemos para eliminar erros e trocar governantes, sem
derramamento de sangue.
Popper resumiu bem a questão
quando disse que “não somos democratas porque a maioria sempre está certa, mas
porque as instituições democráticas, se estão enraizadas em tradições
democráticas, são de longe as menos nocivas que conhecemos”. Mises estava de
acordo, e defendeu a democracia em diversos livros. Em Liberalismo,
por exemplo, ele escreveu: “A democracia é aquela forma de constituição
política que torna possível a adaptação do governo aos anseios dos governados
sem lutas violentas”. Para Mises, que depositava enorme relevância no poder das
ideias, somente a democracia poderia garantir a paz no longo prazo.
Um liberal seguidor de Mises
irá sempre lutar pelas vias democráticas
Em sua obra-prima, Ação Humana, Mises reforça essa visão em prol da democracia: “Por causa da paz doméstica, o liberalismo visa a um governo democrático. Democracia não é, portanto, uma instituição revolucionária. Pelo contrário, ela é o próprio meio para evitar revoluções e guerras civis. Ela fornece um método para o ajuste pacífico do governo à vontade da maioria. […] Se a maioria da nação está comprometida com princípios frágeis e prefere candidatos sem valor, não há outro remédio além de tentar mudar sua mente, expondo princípios mais razoáveis e recomendando homens melhores. Uma minoria nunca vai ganhar um sucesso duradouro por outros meios”.
Em Socialismo,
Mises escreve: “A democracia não só não é revolucionária, mas ela pretende
extirpar a revolução. O culto da revolução, da derrubada violenta a qualquer
preço, que é peculiar ao marxismo, não tem nada a ver com democracia. O
liberalismo, reconhecendo que a realização dos direitos econômicos objetivos do
homem pressupõe a paz, e procurando, portanto, eliminar todas as causas de conflitos
em casa ou na política externa, deseja a democracia”. Ele acrescenta ainda: “O
liberalismo entende que não pode manter-se contra a vontade da maioria”. Logo,
um liberal seguidor de Mises irá sempre lutar pelas vias democráticas, buscando
persuadir a maioria de que o liberalismo é o melhor caminho.
Mises também não era
anarquista, no sentido de pregar como meio para a liberdade o fim do Estado.
Em Burocracia, por exemplo, ele sustenta que a polícia deve ser uma
clara função do Estado. Mises escreve: “A defesa da segurança de uma nação e da
civilização contra a agressão por parte de ambos os inimigos estrangeiros e
bandidos domésticos é o primeiro dever de qualquer governo”. Em Liberalismo,
Mises é ainda mais direto: “Chamamos o aparato social de compulsão e coerção
que induz as pessoas a respeitar as regras da vida em sociedade, o Estado; as
regras segundo as quais o Estado procede, lei; e os órgãos com a
responsabilidade de administrar o aparato de compulsão, governo”.
Ele explica quais seriam as
funções básicas do Estado na doutrina liberal: “Liberalismo não é anarquismo,
nem tem absolutamente nada a ver com anarquismo. O liberal entende claramente
que, sem recorrer à compulsão, a existência da sociedade estaria ameaçada e
que, por trás das regras de conduta cuja observância é necessária para
assegurar a cooperação humana pacífica, deve estar a ameaça da força, se todo
edifício da sociedade não deve ficar continuamente à mercê de qualquer um de
seus membros. É preciso estar em uma posição para obrigar a pessoa que não
respeita a vida, a saúde, a liberdade pessoal ou a propriedade privada dos
outros a aceitar as regras da vida em sociedade. Esta é a função que a doutrina
liberal atribui ao Estado: a proteção da propriedade, liberdade e paz”.
Portanto, está muito claro que
Mises considerava o Estado fundamental para proteger a propriedade privada.
Condenando o anarquismo, Mises diz: “O anarquista está enganado ao supor que
todos, sem exceção, estarão dispostos a respeitar essas regras
voluntariamente”. Segundo ele, “o anarquismo ignora a verdadeira natureza do
homem”, e seria praticável “apenas em um mundo de anjos e santos”.
Muitos dos seus seguidores
atuais não concordam com essa visão, e compreendem que, mesmo num mundo de
homens imperfeitos, a existência do Estado apenas agrava o quadro contra a
liberdade individual. Trata-se de um debate legítimo e, em minha opinião,
complexo e inconclusivo. Mas não custa resgatar aquilo que o próprio Mises
pensava sobre liberalismo. Para ele, essa era uma doutrina inseparável da via
democrática.
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, revista OESTE, nº 80, 1-10-2021
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