José Américo
O Boeing 707 da Varig flertava com o Deserto do Saara – o areal sem fim –, num bem-vindo céu desanuviado, deslizando rumo a Roma, vindo do Rio de Janeiro: ostentava um octagrama branco e preto, inserido num círculo azul justaposto no alto da cauda. Eu observava a face do meu instrutor, o comandante do voo, vincada por rugas ao redor dos olhos. Um moreno alto e forte, embora os ombros levemente arqueados.
Agradecendo por estar ao lado
de alguém tão experiente, anotava as palavras dele mentalmente. Versavam sobre
a arte de voar e também dos acasos que levam às falhas: "Cuide para jamais
errar por indisciplina", disse ele, "do descaso os aviões não
gostam" – dizia ele.
Lá embaixo, o deserto, que
impressionava pela grandeza, seduzia-me por feitiçarias. "Este então é o
Saara", murmurei. O deserto, um ancião a nos observar em profundo
silêncio, aceitara que o sobrevoássemos.
A primeira vez que entrei num avião foi num barulhento e gracioso DC3, também da Varig, com destino à Santo Ângelo das Missões no Rio Grande do Sul. Bastou decolar para, olhando à minha volta, estarrecer-me com estranhos fenômenos. Do lado externo estava o mais incrível: as nuvens contrariavam o nosso deslocamento ao deslizarem para trás. Depois, assustei-me com a palidez da minha mãe - unida em corpo e alma ao rosário dela -, em preces intermináveis. Por fim, os chicletes de menta em uma caixinha amarela e o algodão ajustado em meus ouvidos por um tripulante.
Por tal interessante início, a
aviação fundia-se ao meu sangue em doses homeopáticas, ao jeito das grandes
descobertas. Simpatizo com a ideia de que algo sobrenatural, invisível, possa
ter atiçado o meu gosto aeronáutico, cuidando para não enxotar a paixão
nascente.
Talvez essa invisibilidade
tenha se sentado ao meu lado, no DC3 da Varig, para convencer-me das belezas
dos aviões e da excelência dos ares altos. Sem dúvida, compromissava-me com
essa atividade incrível.
Lembro de uma foto em preto e
branco, na qual aparece o meu pai à frente de um CAP4 - aeronave básica de
treinamento - ao final dos anos quarenta, no Aeroclube de São Luiz Gonzaga, RS.
Ele aparece elegante, trajando um terno cinza, camisa branca, gravata, e óculos
Ray Ban Aviator (acredito que fossem dessa consagrada marca, pois tinha bom
gosto). Percebi a postura dos definidos pelos ares, dos escolhidos para
surfarem as nuvens, os ventos e os 360° dos rumos magnéticos. Uma foto
interrogativa e elo para as respostas definitivas.
Título, Imagem e Texto: José
Américo, 7-8-2022
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