sexta-feira, 6 de outubro de 2023

A Constituição, o legado de Ulysses e a hipocrisia

Alexandre Garcia

Fotomontagem preparada pela Agência Brasil traz, da esquerda para a direita: Ulysses Guimarães, ao promulgar a Constituição em 1988; Luís Roberto Barroso, presidente do STF; Geraldo Alckmin, vice-presidente da República; e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, na cerimônia de 35 anos da Carta Magna. Foto: Arquivo Agência Brasil e Lula Marques/Agência Brasil
Esta sexta-feira seria aniversário do Doutor Ulysses, se vivo estivesse. Estaria fazendo 107 anos, mas está sepultado no Oceano Atlântico – uma grande sepultura para um grande homem. Em 12 de outubro de 1992, o helicóptero em que viajava caiu na água; ele foi o único cujo corpo não foi encontrado. Estava com a mulher, Dona Amora; com o ex-ministro Severo Gomes e sua mulher; e com o piloto. Sumiu.

Doutor Ulysses ergueu a Constituição há 35 anos. Eu participei, como testemunha, daqueles 20 meses de trabalho. Queria mencionar que, por duas vezes, o Doutor Ulysses repetiu, no discurso do dia da promulgação, que a Constituição não era perfeita, que a própria Carta o confessa ao admitir reforma. Mais adiante, ele insistiu: “não é a Constituição perfeita; se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada dentro de cinco anos”.

E vejam só a ironia, a hipocrisia da política. O Doutor Ulysses foi o grande presidente de honra do PMDB. E, transcorrido o prazo para reformar a Constituição, sem exigência de maioria de três quintos, quem torpedeou a reforma foi o presidente do PMDB, Orestes Quércia. Ele estava insatisfeito porque na reforma havia um dispositivo pelo qual todos aqueles municípios que haviam sido criados sem ter autonomia financeira voltariam a ser distritos, porque não tinham como se sustentar. Quércia torpedeou uma reforma trabalhista, uma reforma previdenciária, uma reforma tributária, uma reforma administrativa e uma reforma política, que estavam todas prontas, feitas por uma comissão de notáveis. Enterrou tudo e jogamos fora uma oportunidade.

A Constituição está aí, e temos de respeitá-la ao pé da letra. Ela foi bem explícita em tudo, basta ser alfabetizado. Por isso que, quando vejo as imagens de quinta-feira, da festa no Congresso, presidente do Supremo, da Câmara, do Senado, vice-presidente da República, todos segurando a Constituição como se fossem seus guardiões, vejo que a hipocrisia continua. Porque, ou pela omissão ou pela ação, eles estão rasgando a Constituição a toda hora. Nós acompanhamos. E quem fica calado também peca pela omissão.

Gostaria de recordar mais uma frase do Doutor Ulysses – não custa repetir, porque é verdadeira – no discurso memorável do dia 5 de outubro de 1988. “A moral é o cerne da pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar; não deixar roubar; pôr na cadeia quem roube – eis o primeiro mandamento da moral pública.” Está aí, é uma verdade eterna, que permanece porque nós ainda não corrigimos a impunidade e a roubalheira.

Título e Texto: Alexandre Garcia, Gazeta do Povo, 5-10-2023, 22h11 

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