João Marques de Almeida
No fundo a maioria da oligarquia política portuguesa ainda acredita que
a crise é passageira, e um dia o passado voltará, vestido de cor de rosa, e
voltaremos a viver de crédito e a acumular dívidas.
“Ele é mesmo assim”. Foi com
esta expressão que uma pessoa de um dos partidos da coligação definiu, entre o
resignado e o chocado, o primeiro-ministro Passos Coelho, numa conversa
recente. E não foi o único a quem ouvi isto. Em muitas conversas e discussões,
tenho ouvido muitas pessoas, quase todas do PSD e do CDS, dizer isso, mesmo
quando usam outras palavras. Aos simpatizantes do PS, tenho ouvido o mesmo
diagnóstico, mas exprimido com mais alegria, “ainda bem que ele é assim.”
Em geral, ouve-se duas ‘acusações’.
A primeira é de que “ele acredita mesmo que se deve pagar as dívidas.” E
dizem-no com um som de perplexidade na voz, como se o PM fosse uma espécie
rara. “Ele próprio vive em austeridade, um vida poupada e sem extravagâncias.”
No fundo, a maioria da oligarquia política portuguesa continua a acreditar que
a crise é passageira, e um dia o passado voltará, vestido de cor de rosa, e
voltaremos a viver de crédito e a acumular dívidas. As dívidas são sempre para
ser pagas no futuro, ou seja, nunca. Viver com um PM que discorda deste
consenso nacional é uma revolução. Os anos de Passos Coelho serão conhecidos
como um pesadelo que resultou da combinação entre a “ideologia neoliberal” e
“teimosia pessoal”.
A segunda ‘acusação’ é
formulada com um ar ainda mais chocado, “ele está mesmo nas tintas para as
eleições”. “Continua a tomar medidas impopulares a menos de um ano das
eleições” e, pior do que tudo, “diz a verdade aos portugueses”. Como é possível
ganhar as eleições assim? A fazer o que é necessário? A dizer a verdade, quando
a verdade é impopular? Ninguém ganha eleições com este discurso. E há outros
que, naturalmente, acham que “o governo não tem uma política de comunicação”
como, por exemplo, “tinha o Sócrates”. Como se pode ter uma “política de comunicação”
a dizer “verdades impopulares”?
Na família socialista, ouço
dizer, com evidente alegria, “ainda bem que ele não se preocupa com as
eleições”. Cada vez que Passos Coelho anuncia mais uma medida impopular, os
socialistas celebram com alegria “a falta de talento político do PM”. E a
táctica de António Costa é clara. Falar o mínimo possível, evitar compromissos,
e sobretudo não dizer a verdade, evitando ao mesmo tempo mentir; daí, o
discurso vago e redondo. As verdades do PM e as medidas impopulares do governo
serão suficientes para garantir a vitória eleitoral do PS.
Houve uma altura em que muitos
portugueses se queixavam dos políticos que “mentiam” para “ganhar eleições”,
lembram-se? Hoje, muitos dirigentes políticos estão convencidos do que o PSD vai
ser derrotado porque o PM acredita na necessidade de reduzir as despesas e as
dívidas e porque diz a verdade por mais desagradável que ela seja. Diz muito
mais sobre o modo de fazer política em Portugal do que sobre o
primeiro-ministro.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
14-11-2014
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