João Marques de Almeida
Por que carga de água Passos deverá dar
atenção ao que dizem antigos líderes do PSD que foram derrotados e que
fracassaram? Por definição, o sucesso não ouve o insucesso. Se ouvisse, não
seria sucesso
Passos Coelho [foto] tem duas
vitórias em eleições legislativas. António Costa não tem nenhuma. É verdade,
Passos concorreu a duas e Costa só participou numa. Costa teve menos
possibilidades para vencer, mas Passos teve mais hipóteses de perder. No caso
de eleições legislativas, o balanço final para Passos é 100% de vitórias. Para
Costa é 100% de derrotas. Também é verdade que duas eleições, para Passos, e
uma para Costa, é manifestamente um número insuficiente para se fazer uma
estatística. Mas vitórias e derrotas em eleições legislativas são fatores centrais
nas cabeças dos líderes políticos. Quando tomam as decisões solitárias, as mais
importantes, o seu passado eleitoral está sempre presente. Nunca desaparece.
Por vezes, é útil afastar-nos
dos entusiasmos do quotidiano e olhar para a política num contexto mais
alargado. Em todas as atividades, há sempre uma super elite reduzida, onde
estão aqueles que conseguiram o feito mais importante de todos. Na política
portuguesa, essa super elite é constituída por aqueles que venceram eleições
legislativas. Entre os milhares de políticos nacionais, só cinco ganharam
eleições legislativas (excluo os que já morreram): Cavaco Silva, duas vitórias;
António Guterres, duas vitórias; Durão Barroso, uma vitória; José Sócrates,
duas vitórias; e Passos Coelho, duas vitórias. Esta lista de vitórias
eleitorais recua a 1985. Milhares e milhares de mulheres e de homens fizeram e
fazem política ativa, mas em mais de 30 anos, só cinco ganharam eleições
legislativas. Falem com qualquer político e percebem rapidamente. A capacidade
de ganhar eleições nacionais é o que distingue os políticos. Destes cinco que
ganharam, apenas Passos Coelho está ativo na política nacional.
Mais, na única vez que se
defrontaram, Passos Coelho derrotou António Costa. Uma campanha eleitoral entre
dois candidatos a Primeiro Ministro é como um duelo. O resultado fica para
sempre na cabeça dos participantes. E nunca mais de lá sai. Cada vez que Passos
e Costa se encontram e olham um para o outro, o primeiro pensa, “já te
derrotei”; e o segundo pensa, “não consegui derrotar-te” (mesmo que depois
pense logo, certamente com gozo, “mas apesar disso sou PM”). Apesar das
sondagens e de todas as boas notícias, se há português que não se esquece da
derrota nas eleições de 2015, é António Costa. E nunca se irá esquecer. Uma
vitória futura atenuará a memória, mas nunca a apagará. Sobretudo, tendo em
conta o contexto das eleições de 2015. Com o país descontente com a
austeridade, Costa calculou bem o tempo para se tornar líder do PS. Chegou como
um salvador destinado a uma maioria absoluta. Liderou as sondagens durante
muitos meses. Mas no dia das eleições, perdeu. Embora já fosse o político
habilidoso, esperto e oportunista que é hoje, e muito elogiado por isso, a
verdade é que fez uma má campanha.
Um ano e meio depois, Costa
lidera de novo as sondagens, e há cada vez mais observadores que lhe vaticinam
uma vitória eleitoral. A maioria dos portugueses já não se lembra, mas ele,
garanto-vos, não se esquece. Costa sabe que é a segunda vez que as previsões,
esse magnifico passatempo nacional, apontam para uma maioria absoluta. E há uma
questão que o preocupa: se já perdeu uma vez quando tudo apontava que iria ganhar,
por que não poderá acontecer uma segunda vez? Esta é uma dúvida complicada. Por
melhor que seja o presente, as desilusões do passado nunca nos largam.
Além
disso, as campanhas eleitorais são sempre momentos imprevisíveis. Por vezes, as
vantagens atribuídas pelas sondagens desaparecem inesperadamente. Veja-se, por
exemplo, o que se passa no Reino Unido. Theresa May começou a campanha com
vinte pontos de avanço. A menos de uma semana das eleições, tem três pontos de
avanço e a maioria em causa.
Mas se há outra pessoa em
Portugal que não esquece que derrotou António Costa e já venceu duas eleições
é, obviamente, Passos Coelho. Como todos os portugueses, sabe que a sua vida
não está fácil e que se se realizassem eleições nos próximos meses, seria muito
provável que perdesse. O PS até poderia chegar à maioria absoluta. Passos
saberá isso muito bem. Mas a vitória em duas eleições dá-lhe uma confiança que
resiste às piores sondagens e às críticas mais duras. Pacheco Pereira ataca-o
todas as semanas (algumas das semanas, mais do que uma vez). Marques Mendes
critica-o semana sim, semana não. Ferreira Leite, também. Santana Lopes é mais
comedido, mas por vezes também não resiste à pressão mediática e sente-se
obrigado a juntar-se ao coro das críticas. Todos eles condenam a estratégia e o
discurso de Passos Coelho. Mas por que carga de água Passos deverá prestar
atenção ao que dizem antigos líderes do PSD que foram derrotados e que
fracassaram? Por definição, o sucesso não ouve o insucesso. Se ouvisse, não
seria sucesso. Passos pode estar enganado e pode ser teimoso, mas não é a
teimosia que o leva a ignorar o que dizem os antigos derrotados. É uma coisa
muito mais simples. Ele ganhou. Os seus críticos perderam.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
4-6-2017
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