Chefão do PT exige o controle da base aliada e quer
presidente como mera gerentona de novo. Ela vai aceitar o papel subalterno?
Reinaldo Azevedo
Um prepotente desocupado num
ambiente doméstico ruim é a morada do capeta. O sujeito começa a cultivar
ideias estranhas. É o caso de Luiz Inácio Lula da Silva, que deve andar tomando
umas sovas de pau de macarrão de Marisa Letícia desde que explodiu o “Rosegate”.
Consta que a ex-primeira-dama, e parece bastante razoável, não gostou de tudo o
que a imprensa andou publicando a respeito das relações do marido com a
ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo, Rosemary Nóvoa Noronha. E
parece que gostou menos ainda do que a imprensa não andou publicando… O caso,
com todos os seus aspectos, vamos dizer, fesceninos, é um emblema da arrogância
de Lula e da sem-cerimônia com que ele mete os pés pelas mãos, não reconhecendo
fronteiras entre o público e o privado, o decoroso e o indecoroso, o devido e o
indevido para um, então, presidente da República. E ele não se emenda. E ele
não aprende. Ontem, o Babalorixá de Banânia liderou um seminário sobre
integração latino-americana, a que compareceram expoentes do governo Dilma,
como o ministro megalonanico Celso Amorim (Defesa) e o presidente do BNDES,
Luciano Coutinho. Já seria despropósito bastante não fosse Lula quem é. A turma
foi além e anunciou, sem nenhuma cerimônia, que Dilma, eleita pelo povo, foi
expropriada de algumas de suas funções. Lula, o desocupado, decidiu inaugurar
um novo regime de governo no país, que a gente poderia chamar de “Lulismo
mitigado”.
Em que consistiria esse
regime, ao menos segundo o que foi anunciado nesta segunda, como se fosse coisa
corriqueira? Lula seria o coordenador político da base aliada e quem se
encarregaria de todas as negociações com o Congresso. Na prática, passaria a
ser o verdadeiro presidente da República, uma vez que as prioridades de um
governo se definem é nesse ambiente. Dilma voltaria a ser, assim, apenas a
gerentona, aquela que se encarrega das tarefas executivas. O noticiário
político, mais uma vez, voltaria a girar em torno do “homem”, do “mito”…
O “anúncio” foi feito sem
nenhuma cerimônia por Paulo Vannuchi, ex-ministro dos Direitos Humanos e um dos
chefões do Instituto Lula: “Lula vai jogar toda sua energia para a manutenção e
a consolidação da aliança. Fazer uma agenda de conversas, ver quais são as
questões, onde estão as disputas, como fazer para compor as forças”. Ora, algo
com essa importância requereria uma comunicação formal da própria Presidência
da República; teria de ser feito necessariamente no ambiente do próprio
governo, não num seminário liderado por um chefe de facção, ainda que
estivessem presentes expoentes do primeiro escalão.
Entendam bem o que está em
curso, ainda que a própria Dilma venha a público, a reboque dos fatos, para
negá-lo: Lula está usando a força do seu partido e as interlocuções que mantém
na base aliada para usurpar uma parcela de poder de Dilma. Luiz Dulci, outro
ex-ministro e diretor do instituto emendou: “Ele [Lula] tem um papel político a
cumprir na constituição da nossa base política e social para 2014″. Eis o homem
que anunciou que seria um ex-presidente como nunca se viu na história
destepaiz…
Lula não se conforma com a
condição de ex-presidente da República. Só sabe ser chefe. Estava certo de que
Dilma declinaria da disputa pela reeleição em seu favor. Achava e acha que ela
lhe deve isso; que o protagonismo exercido até aqui já está de bom tamanho.
Mais dois anos, e seria a hora da volta triunfal do Senhor das Esferas… Mas ela
tomou gosto pela cadeira, conta com a aprovação da maioria dos brasileiros (e
pouco importa se isso é justificado ou não) e é franca favorita na disputa de
2014. Tudo como Lula NÃO queria.
“Pô, Reinaldo, esse não pode
ser um movimento combinado com Dilma?” Se esse absurdo prosperar, restará a ela
dizer que sim, mas a resposta certa é uma só: “É claro que não houve combinação
nenhuma”, ou o anúncio teria se dado de outra forma. O que os lulistas fizeram
ontem foi meter o pé da porta de Dilma e dar um chega pra lá. Já que ela não
abre mão da reeleição, terá de devolver a Lula o controle político do país.
É um momento delicado pra
Dilma. É certo que ela governou nestes dois anos atendendo a muitos dos pleitos
petistas. Mantém no governo alguns espiões de Lula e está ciente disso. Embora
não seja uma figura importante ou querida no partido, comunga das ideias gerais
do petismo e coisa e tal. É, sim, fiel a Lula, mas não foi mero títere do
antecessor. Governou também com ideias próprias, não necessariamente boas — mas
esses são outros quinhentos.
Lula se cansou dessa realidade
e quer de volta o que acha que é seu por merecimento e direito divino: o
comando político do país. A reivindicação atende a demandas rasas e profundas
do seu caráter. Não concebe o país com outro governante que não ele próprio,
enquanto vivo for. Considera-se, de fato, um iluminado e um evento único na
história da humanidade. Essa é a dimensão profunda. Nas questões mais à flor da
pele, está o seu inconformismo com o Rosegate, que já o fez dormir no sofá
algumas vezes — e não no de sua casa… Ele acha que Dilma fez muito pouco para
preservá-lo do que considera a maior fonte de desgaste pessoal desde que faz política.
O que esperava? Não sei! Não custa lembrar que ele se opôs pessoalmente à
demissão de todos os ministros flagrados com a boca na botija.
Dilma enfrenta a partir de
agora o momento mais difícil de seu governo. Conforme o previsto, quem a está
deixando em maus lençóis não é a oposição, mas Lula, talhado, desde sempre,
para ser o maior desafio da presidente.
Dilma pode mobilizar a sua
turma nessa terça e fazer esse troço recuar, jogando tudo na conta de um
mal-entendido. A imprensa, como de hábito, pode ser acusada de distorcer as
falas dos petistas e coisa e tal. Mas Dilma também pode se intimidar e deixar a
coisa fluir por medo do PT. Nesse caso, seu governo começou a acabar ontem.
Ainda que seja reeleita em 2014, ficará mais quatro anos sendo apenas tolerada
na gerência.
Título e Texto: Reinaldo
Azevedo, 22-01-2013
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