André Azevedo
O que se pode criticar na escolha de Moedas é o desperdício para o país
de "direccionar" alguém com o seu valor - que daria um excelente
ministro das Finanças - para o coração da burocracia europeia
A bem sucedida audição de
Carlos Moedas no Parlamento Europeu, no âmbito da sua nomeação para comissário
europeu para a investigação, inovação e ciência, serviu para evidenciar vários
aspectos interessantes sobre o próprio Moedas, sobre Portugal e sobre a actual
situação da Europa.
Relativamente ao próprio
Carlos Moedas, a preparação e desenvoltura que demonstrou no Parlamento Europeu
veio demonstrar mais uma vez o seu elevado potencial e capacidades. Para quem o
conhece ou tem vindo a seguir com alguma atenção o percurso de Moedas, tal não
constitui surpresa mas face às críticas e dúvidas que foram levantadas esta
reafirmação é pertinente. Aliás, o que mais se pode criticar na nomeação de Moedas
é o desperdício para o país que constitui “direccionar” alguém com o seu valor
– que daria por exemplo um excelente ministro das Finanças – para o coração da
burocracia europeia, ainda para mais numa Comissão liderada por uma figura como
Juncker.
Ainda relativamente a Carlos
Moedas, não provir do sector com o qual mais directamente se vai relacionar
enquanto comissário europeu para a investigação, inovação e ciência pode ser
visto como uma desvantagem. Mas se por um lado Moedas estará mais exposto ao risco
de ser engolido pela máquina administrativa e propenso a ser manipulado pelos
poderosos lobbies do sector, por outro lado vir de fora poderá ser uma vantagem
no sentido em que o novo comissário estará menos condicionado pelo seu passado
e poderá ter um espírito mais aberto para o desempenho das suas funções.
No que diz respeito a
Portugal, este processo veio evidenciar algumas das mais lamentáveis
características do debate público em Portugal. Assim que o nome de Carlos
Moedas foi anunciado, e não obstante as suas evidentes capacidades, levantou-se
um coro de críticas invocando as mais absurdas razões e fazendo as mais
catastróficas previsões. Desde a atribuição de uma pasta irrelevante até ao
augúrio de um chumbo pelo Parlamento, nada faltou.
Só a mesquinhez dos seus
autores pode justificar o tom e conteúdo de algumas das críticas então ecoadas.
É curioso que essas vozes se tenham calado quando, afinal, Moedas não ficou com
uma pasta irrelevante nem foi chumbado pelo Parlamento Europeu, ao contrário do
que sucedeu com outros candidatos. Como foi curioso também o silêncio das vozes
mais mediáticas da comunidade científica nacional, sempre na linha da frente
das exigências de recursos públicos para a afirmação internacional de Portugal,
mas incapazes de saudar a nomeação de um português para a posição de comissário
europeu para a investigação, inovação e ciência.
Finalmente, relativamente à
Europa, esta audição, à semelhança das restantes, deixou claro até que ponto as
instituições europeias estão submetidas a uma verdadeira ditadura do
politicamente correcto. Os aspirantes a comissários parecem irremediavelmente “condenados”
a repetir os mantras do bruxelês politicamente correcto contra o qual cada vez
mais europeus reagem. Resta esperar que Carlos Moedas não se deixe contaminar
pela atmosfera de Bruxelas, um destino infelizmente comum para políticos
promissores que lá chegam, particularmente quando têm origem em países pobres e
periféricos. Tudo isto enquanto no Reino Unido o UKIP consegue pela primeira
vez fazer eleger um deputado para o Parlamento, através de uma vitória
esmagadora de Douglas Carswell na eleição intercalar em Clacton.
Título e Texto: André Azevedo, Professor do Instituto
de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Observador,
11-10-2014
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