André Azevedo Alves
O PS, tal como os partidos
socialistas europeus, enfrenta uma escolha inevitável: ou está com o Syriza e a
ruptura institucional ou se apresenta como alternativa política dentro do
quadro estabelecido
Face às sondagens, a vitória
confortável do Syriza não surpreendeu, mas nem por isso deixa de constituir um
evento marcante na política europeia. De facto, há meia dúzia de anos atrás,
muito poucos admitiriam como plausível a possibilidade de uma coligação de
pequenos partidos de extrema-esquerda, com uma agenda assumidamente radical,
chegar ao poder num país da União Europeia. É certo que a boa imagem e o
carisma do Eng. Alexis Tsipras, assim como a indisfarçável simpatia para com o Syriza
por parte da maioria dos jornalistas, ajudaram a essa vitória, mas seria um
erro não ir além desses factores na análise do fenómeno.
Qualquer que seja o rumo
futuro da Grécia, esta eleição marca já o fracasso da política europeia assente
no dogma de maior integração a qualquer custo. O desígnio de manter a Grécia na
zona euro contra todas as evidências gerou uma montanha de dívida de cobrança
(muito) duvidosa e uma situação interna explosiva no país. Cabe agora aos
líderes europeus não fecharem os olhos e assumirem a necessidade de dar um
passo atrás, mesmo que tal implique aceitar perdas significativas e a saída da
Grécia da zona euro, onde provavelmente nunca deveria ter entrado.
As ondas de choque após a
vitória eleitoral não se fizeram esperar. A primeira foi a opção de Tsipras ao
escolher para parceiro de governação um partido nacionalista que, se não fosse
parceiro do Syriza, seria amplamente acusado de ser de extrema-direita.
Felizmente para Tsipras, a extrema-esquerda lava mesmo mais branco. Com a escolha dos ministros, veio o segundo choque: zero
mulheres, provavelmente para marcar simbolicamente a distância face a
“austeritaristas” como Angela Merkel (que é mulher, mas não conta). O ruidoso
silêncio da generalidade dos habituais defensores da “igualdade de género” fica
registado.
Mais significativamente,
Tsipras foi rápido no cumprimento de algumas das promessas eleitorais. O leque
incluiu o aumento substancial do salário mínimo e a suspensão de privatizações,
entre outras medidas que empurram a Grécia para um cenário de incumprimento.
Com o risco de ruptura a aumentar de dia para dia, o desafio que se coloca aos
socialistas europeus não pode ser ignorado. Neste contexto, as reacções em
Portugal foram, no mínimo, estranhas.
A auto-congratulação do PCP é
difícil de compreender quando, na Grécia, o seu equivalente KKE teve um
resultado medíocre e, adicionalmente, excluiu a possibilidade de se coligar com
o Syriza.
Mas verdadeiramente bizarra foi a reacção do PS liderado por António
Costa. Como bem apontou João Cardoso Rosas: “O líder do PS mostrou-se vagamente
contente (ele mostra-se sempre “vagamente qualquer coisa”) e não esboçou sequer
uma crítica às propostas de Tsipras e à ruína do seu partido-irmão na Grécia, o
PASOK. Se Costa está contente com o Syriza, por que não vota no BE?”.
Poder-se-ia dizer apenas que,
com partidos amigos destes, os partidos da Internacional Socialista não
precisam de inimigos, mas a situação levanta um problema mais profundo: o da
necessidade de definição interna nos partidos socialistas europeus em geral, e
no PS em particular. A estranha reacção de António Costa pode ser, é certo,
atribuída à inabilidade de um novo líder partidário que tarda em apresentar
ideias concretas e parece incapaz de se distanciar dos aspectos mais negros do
passado governativo do PS. Mas o mesmo não pode ser dito de outras vozes que
apoiaram o Syriza e que estão entre os mais promissores e influentes líderes
intelectuais do novo PS, como João Galamba ou Tiago Barbosa Ribeiro. Ora, esta
linha dificilmente poderá ser compatibilizada com o discurso mais institucional
e realista de figuras como Jaime Gama ou Manuel Caldeira Cabral.
O PS, tal como os restantes
partidos socialistas europeus, enfrenta uma escolha inevitável: ou está com o
Syriza – com tudo o que isso implica do ponto de vista de uma potencial ruptura
institucional – ou se apresenta como uma alternativa política dentro do quadro
institucional estabelecido. No fundo, como realça Rui Ramos,
trata-se de saber se a esquerda radical substituirá ou não a esquerda
social-democrata. Uma boa parte do futuro político da Europa dependerá da
resposta a esta questão.
Título e Texto: André Azevedo Lopes (*), Observador,
1-2-2015
(*) Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade
Católica Portuguesa Grifos: JP
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