quinta-feira, 4 de junho de 2015

Somos livres em nossas ações?... alguma pincelada kantista a respeito...

Valdemar Habitzreuter
Nós seres racionais somos seres morais, isto é, temos consciência de nossos atos, costumes e comportamentos adequados ou inadequados perante a nós mesmos e aos outros; esta consciência nos diz que estamos sujeitos a uma lei da qual somos os promulgadores. A esta lei damos o nome de lei moral. Por ela somos responsáveis pelo que fazemos, ao contrário dos animais irracionais que se deixam reger pelas leis da natureza, pelo seu instinto bruto necessário e, por isso, não lhes é imputado qualquer responsabilidade pelo que fazem. Um cão, por exemplo, que morde uma criança não pode ser responsabilizado por seu ato.


A moralidade no ser humano é um sentimento interior, é um indicativo pelo qual avaliamos nossas ações, se agimos segundo os ditames da consciência; a consciência sempre nos acusa se agimos bem ou mal. À essa lei moral está atrelada a liberdade do ser humano, na escolha entre o bem e o mal, caso contrário não haveria necessidade de uma lei de como se comportar na vida. Sempre se considerou o aspecto heterônomo da lei moral; isto é, um agente de fora (Deus/religiões) como o autor da lei moral. Mas ela não nos é imposta de fora, ela se origina de dentro de todo ser racional; é a própria razão que a promulga. A lei moral, portanto, tramita e legisla do interior de cada homem/mulher. É com ela em mente que agimos e nos comportamos.

Quem estabelece, portanto, essa lei somos nós mesmos, é a nossa própria razão. Assim, nós nos impomos livremente essa lei como um imperativo categórico para a prática de boas ações; obedecê-la é um dever e, acima de tudo, desinteressadamente. É claro, se a observância desta lei tem a felicidade como consequência, tanto melhor, mas nunca se deve obedecer a ela por interesse (interesse de ser feliz, agradar a Deus, obter a salvação, merecer o céu, safar-se do inferno, etc. etc. etc.), mas simplesmente praticar boas ações e ponto.

É justamente por ser a razão a autora dessa lei que somos livres em nossas ações, nós mesmos somos os legisladores para policiar-nos em nossas ações, portanto, autônomos; não há um olhar, uma imposição de fora; e já que somos nós os autores da lei, resulta daí que nos sujeitamos a ela de boa vontade e livremente; isto é, queremos espontaneamente cumpri-la, impomo-nos um dever, e isto é uma escolha voluntária. Assim, colocamo-nos sob a égide da liberdade. Portanto, essa lei não nos é imposta por um legislador externo, seja Deus ou a natureza em que nossa liberdade estaria restringida.

O arcabouço dessa lei tem como tripé pois: a razão, a boa vontade e a liberdade. A razão nos faculta saber o que é certo e errado praticar; a boa vontade é fundamental para que escolhamos livremente as boas ações; a liberdade, neste caso, não é tolhida, mas abraça o dever espontaneamente e, assim, a lei é respeitada, caso contrário há a transgressão dela. Na Natureza, por exemplo, não existe uma vontade livre que possa não cumprir suas leis deterministas e necessárias, a natureza rege-se por leis rígidas e não lhes é inerente uma liberdade que possa contradizer essas leis.

Por que é a razão do homem/mulher o fundamento da lei moral e não Deus? Porque, diz-nos Kant, nossa razão a rigor não tem provas concretas da existência de Deus e, portanto, não faz sentido que haja um fundamento teológico da lei moral. Mas nossa razão prática, sim, é um fato concreto e é capaz de per si julgar e escolher suas ações. Portanto, é ela a promulgadora da lei moral. E se somos nós os legisladores, significa que nos sujeitamos a nossa própria lei espontaneamente, e no bojo está a liberdade. Esta liberdade é distinta do livre arbítrio pelo qual se opta entre sim e não, mas que não está alicerçado numa autonomia autêntica, pois o sujeito não tem a si mesmo como legislador que assume cumprir sua própria lei como dever. 
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 4-6-2015

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