Valdemar Habitzreuter
Nós seres racionais somos
seres morais, isto é, temos consciência de nossos atos, costumes e
comportamentos adequados ou inadequados perante a nós mesmos e aos outros; esta
consciência nos diz que estamos sujeitos a uma lei da qual somos os
promulgadores. A esta lei damos o nome de lei moral. Por ela somos responsáveis
pelo que fazemos, ao contrário dos animais irracionais que se deixam reger
pelas leis da natureza, pelo seu instinto bruto necessário e, por isso, não
lhes é imputado qualquer responsabilidade pelo que fazem. Um cão, por exemplo,
que morde uma criança não pode ser responsabilizado por seu ato.
A moralidade no ser humano é
um sentimento interior, é um indicativo pelo qual avaliamos nossas ações, se
agimos segundo os ditames da consciência; a consciência sempre nos acusa se
agimos bem ou mal. À essa lei moral está atrelada a liberdade do ser humano, na
escolha entre o bem e o mal, caso contrário não haveria necessidade de uma lei
de como se comportar na vida. Sempre se considerou o aspecto heterônomo da lei
moral; isto é, um agente de fora (Deus/religiões) como o autor da lei moral.
Mas ela não nos é imposta de fora, ela se origina de dentro de todo ser
racional; é a própria razão que a promulga. A lei moral, portanto, tramita e
legisla do interior de cada homem/mulher. É com ela em mente que agimos e nos
comportamos.
Quem estabelece, portanto,
essa lei somos nós mesmos, é a nossa própria razão. Assim, nós nos impomos livremente
essa lei como um imperativo categórico para a prática de boas ações; obedecê-la
é um dever e, acima de tudo, desinteressadamente. É claro, se a observância
desta lei tem a felicidade como consequência, tanto melhor, mas nunca se deve
obedecer a ela por interesse (interesse de ser feliz, agradar a Deus, obter a
salvação, merecer o céu, safar-se do inferno, etc. etc. etc.), mas simplesmente
praticar boas ações e ponto.
É justamente por ser a razão a
autora dessa lei que somos livres em nossas ações, nós mesmos somos os
legisladores para policiar-nos em nossas ações, portanto, autônomos; não há um
olhar, uma imposição de fora; e já que somos nós os autores da lei, resulta daí
que nos sujeitamos a ela de boa vontade e livremente; isto é, queremos espontaneamente
cumpri-la, impomo-nos um dever, e isto é uma escolha voluntária. Assim,
colocamo-nos sob a égide da liberdade. Portanto, essa lei não nos é imposta por
um legislador externo, seja Deus ou a natureza em que nossa liberdade estaria
restringida.
O arcabouço dessa lei tem como
tripé pois: a razão, a boa vontade e a liberdade. A razão nos faculta saber o
que é certo e errado praticar; a boa vontade é fundamental para que escolhamos
livremente as boas ações; a liberdade, neste caso, não é tolhida, mas abraça o
dever espontaneamente e, assim, a lei é respeitada, caso contrário há a
transgressão dela. Na Natureza, por exemplo, não existe uma vontade livre que
possa não cumprir suas leis deterministas e necessárias, a natureza rege-se por
leis rígidas e não lhes é inerente uma liberdade que possa contradizer essas
leis.
Por que é a razão do
homem/mulher o fundamento da lei moral e não Deus? Porque, diz-nos Kant, nossa
razão a rigor não tem provas concretas da existência de Deus e, portanto, não
faz sentido que haja um fundamento teológico da lei moral. Mas nossa razão
prática, sim, é um fato concreto e é capaz de per si julgar e escolher suas
ações. Portanto, é ela a promulgadora da lei moral. E se somos nós os
legisladores, significa que nos sujeitamos a nossa própria lei espontaneamente,
e no bojo está a liberdade. Esta liberdade é distinta do livre arbítrio pelo
qual se opta entre sim e não, mas que não está alicerçado numa autonomia
autêntica, pois o sujeito não tem a si mesmo como legislador que assume cumprir
sua própria lei como dever.
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 4-6-2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-