Alberto Gonçalves
Sempre que o autor de Candle in the Wind fecha a
boca, a humanidade ganha, e o sr. Trump, responsável pelo abençoado silêncio,
ganha a dobrar
E pronto: vem aí o sr. Trump,
fanfarrão de poucos modos, poucas letras, muito dinheiro e demasiadas frases no
Twitter. Assustador? Depende. A democracia na América é tão robusta que, ainda
o homem não ocupou o cargo, já vai arranjando maneira de o tornar digerível e,
não tarda, desejável.
Através dos famosos “checks and balances”, controlos e
equilíbrios, pesos e contrapesos, o “sistema” organicamente desatou a sugerir
que embora o sr. Trump não seja grande coisa, a verdade é que podia ser coisa
bastante pior. Por comparação às convicções e aos métodos de alguns dos seus
opositores, o sr. Trump é um mal pequenino, E, em política, um mal pequenino é
quase um achado.
Comecemos pelo longo
inventário de “artistas” que recusaram cantar na gala “inaugural”. É grave que
nomes como Elton John, Céline Dion, os Kiss e Ricky Martin não emprestem as
vozes à legitimação do novo Presidente? Grave seria se emprestassem. Sempre que
o autor de Candle In The Wind fecha a boca, a humanidade ganha, e o sr. Trump,
responsável pelo abençoado silêncio, ganha a dobrar.
E há, a título simbólico, o
discurso da atriz Meryl Streep quando, a 8 de janeiro, recebeu um prêmio
importantíssimo. Por algum motivo, a criatura resolveu atacar a xenofobia do
sr. Trump com o exemplo do meio cinematográfico, que ela considera – segurem-se
bem – “um dos grupos mais perseguidos na sociedade americana”.
É apenas um caso, tipicamente amalucado, da soberba de Hollywood, que lá porque produz fitas horrendas se julga incumbido de iluminar os simples. Sempre que Hollywood designa um alvo, é provável que este detenha virtudes insuspeitas.
E há a marcha em Washington no
próximo dia 21, exercício de afirmação dos direitos das senhoras, das quais o
sr. Trump, cujos divórcios enriqueceram várias, é aparentemente inimigo.
Enquanto marcham, milhares de de mulheres tentarão demonstrar que os milhões de
mulheres que votaram no sr. Trump são idiotas. Para provar que isto é sério, a
teóloga Madonna publicou no Instagram a foto de uma vagina depilada. Sempre que
“ativistas”de desmioladas “causas” se
empenham tanto contra alguém, é garantido que alguém não é mau de todo.
E há a lista crescente de
congressistas que não enriquecerão a tomada de posse do sr. Trump com a sua
presença. Vistos à lupa, é tudo gente de princípios, campeões das lutas civis e
amigos do povo. Se, porém, o povo elege quem eles não gostam, a civilidade cai
de cama e os princípios sofrem forte abalo. Sempre que grandes democratas só
prezam um lado da democracia, é possível que o lado restante tenha certa razão.
E há, last and always the least, Obama. Em dois mandatos antecedidos de
louvores precoces e que prometiam uma discreta mediocridade. Obama preferiu o
estrondo à lamúria e, resumindo imenso, conseguiu aumentar as divisões sociais
e raciais nos EUA, trair países amigos, ceder a nações inimigas e passear
pacifismo ao mesmo tempo que fomentava guerras duvidosas. A lamúria guardou-a
para o fim: sempre que um líder se despede entre lágrimas, é plausível que o
líder seguinte seja menos embaraçoso. Sendo o sr. Trump, será o que Deus
quiser. E o que, após oito anos de erros sucessivos, Obama quis que fosse.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sábado, nº 664, 19 a 25 de janeiro de 2017
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sábado, nº 664, 19 a 25 de janeiro de 2017
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