José Diogo Quintela
Costa disse que, em ano eleitoral, “toda a
gente vai querer dramatizar qualquer incêndio que exista”. Tem razão: em
Portugal as pessoas tendem a dramatizar dramas. Têm pouca imaginação, os
portugueses
Em entrevista à TSF, António
Costa [foto] garantiu que, tratando-se de ano eleitoral, “toda a gente vai querer
dramatizar qualquer incêndio que exista”. O PM tem razão. Em Portugal, as
pessoas tendem a dramatizar dramas. Têm pouca imaginação, os portugueses. Face
a um drama, como um incêndio, a tendência é reagir da primeira forma que lhes
vem à cabeça, a redundante dramatização. Há pouca reflexão sobre acontecimentos
dramáticos enquanto se desenrolam. E não há um esforço criativo para procurar
outra resposta. Os portugueses podiam relativizar o drama, desvalorizar o
drama, ignorar o drama, escarnecer do drama. Mas não, quando veem a sua casa a
arder e correm risco de serem transformados em torresmos, os nossos
compatriotas não são capazes de um rasgo de fantasia, de pensar fora da box, e
acabam, inevitável e aborrecidamente, por dramatizar. O fogo já é tão
repetitivo (não faz outra coisa que não queimar), que era mais animado se as reações
variassem.
Por sorte, a António Costa não
falta inventividade em frente às labaredas. Podemos sempre contar com o PM para
reagir aos incêndios de forma original. Seja descansando em merecidas férias,
organizando um focus group para
perceber se as pessoas levam a mal o facto de ele não dramatizar incêndios, ou
exasperando-se quando jornalistas lhe perguntam se não seria altura de
dramatizar um bocadinho os incêndios, Costa surpreende sempre na forma como
encara a tragédia.
(Em nossa defesa, há que dizer
que não somos os únicos. Já os antigos gregos dramatizavam o fogo. Fartaram-se
de dramatizar sobre Prometeu, que roubou o fogo aos deuses para o dar aos
homens e foi castigado por Zeus, que o acorrentou no cimo de uma montanha, para
que uma águia lhe fosse debicar o fígado, todos os dias. À sua maneira, António
Costa, com aquelas mudanças desastradas nas chefias da Proteção-Civil, também
contribuiu para dar o fogo aos homens. Só não foi castigado com a perda diária
da isca. Quer dizer, se calhar até foi, mas como deve implicar uma intervenção
agendada no SNS, ainda vai demorar alguns anos).
Há quem tenha estranhado o
facto de Costa começar já a falar de incêndios em Portugal. Mas Costa sabe que
tem de marcar a agenda mediática. Com esta chamada de atenção, determinou que,
caso haja uma tragédia, qualquer conversa da oposição será aproveitamento político.
O que Costa fez foi o equivalente partidário a limpar a mata à sua volta, para
que a oposição não tenha combustível para o queimar. António Costa esvaziou um
putativo aproveitamento político de mortos, fazendo já o aproveitamento
político do facto de os hipotéticos futuros mortos ainda estarem vivos. Costa
conseguiu passar a ideia que a sanha eleitoralista é tanta, que quem está
contra o Governo arranjará sempre algo para embirrar, sejam lareiras, bolos de
aniversário com muitas velas ou crepes flambées.
Agora que o tema está lançado,
vai começar a ser repetido pelo PS em peso. Há tempo mais que suficiente para
condicionar os portugueses. Quando houver incêndios, vamos ver as imagens
habituais de alguém coberto de fuligem, a correr desvairado de um lado para o
outro. A diferença é que, este ano, vai haver outra pessoa a correr atrás da
primeira e a dizer “lá estás tu a dramatizar, Manel! Tens de ser mais
homenzinho. Larga lá o balde, pá!”
Esta estratégia de Costa
aplica-se a qualquer tema. Basta começar com o enunciado “toda a gente vai
querer dramatizar” e completar com a falha do Governo que se queira
desvalorizar. “Toda a gente vai querer dramatizar assaltos patéticos a arsenais
militares”, “toda a gente vai querer dramatizar atrasos de construção de alas
pediátricas oncológicas”, “toda a gente vai querer dramatizar o esvaziamento de
dramatizações que eu causei com a minha fórmula «toda a gente vai querer
dramatizar»”.
António Costa está muito forte
a apontar eleitoralismo na oposição. Toda a crítica feita ao Governo só existe
porque é ano de eleições e não há nada de substancial a apontar à acção
governativa, que está espetacular. Tivesse Portugal um sistema de detenção de
incêndios tão bom quanto o sistema de António Costa de detenção de eleitoralismos
e não estávamos a ter esta conversa.
A defesa do PS no caso das
relações familiares no Governo é um exemplo. O problema não é do Governo, é da
oposição que só fala disto porque não tem mais nada para dizer. Socialistas de
vários níveis passaram os últimos dias a repeti-lo. Uma defesa que, diga-se,
acaba por ser contraproducente: o PM, os ministros, os deputados, os
secretários de Estado, argumentam de forma tão semelhante, soam tão iguais, que
até parecem todos parentes. A verdade é que é cada vez mais difícil apontar um
membro do Governo que não tenha uma relação familiar com um colega. É como
jogar ao mikado: é precisa muita habilidade para conseguir pegar num que não
tenha ponto de contato com outro. Trata-se de um Governo, mas também de um
jogo. Aliás, aí está uma boa sugestão: da próxima vez que estiver tudo a arder,
não dramatize histericamente, relaxe e jogue antes uma partida de mikado
socialista. Impossível ganhar, mas são horas de diversão.
Título e Texto: José Diogo Quintela, Observador,
2-4-2019
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