quarta-feira, 12 de maio de 2021

[Versos de través] Não Há Vagas

Ferreira Gullar

O preço do feijão 
não cabe no poema. 
O preço do arroz
não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás, 
a luz, o telefone,
a sonegação
do leite, 
da carne, 
do açúcar, 
do pão.

O funcionário público
não cabe no poema 
com seu salário de fome 
sua vida fechada 
em arquivos.

Como não cabe no poema 
o operário 
que esmerila seu dia de aço 
e carvão 
nas oficinas escuras 

- porque o poema, senhores, 
está fechado: 
“não há vagas” 

Só cabe no poema 
o homem sem estômago 
a mulher de nuvens 
a fruta sem preço 

O poema, senhores, 
não fede 
nem cheira.


Título e Texto: Ferreira Gullar

Anteriores: 
Os deslimites da palavra 
Desencanto 
Motivo 
Tateio 
Mulher da vida 
Com licença poética 

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