O homem feliz é aquele que busca atingir suas
potencialidades, dando sentido mais elevado para sua existência
Rodrigo Constantino
Quase todo mundo coloca a felicidade como grande meta na vida. Mas qual felicidade? E como obtê-la? Qual o sistema filosófico mais coerente e condizente com a natureza humana? Poucos mergulham mais a fundo nessas reflexões, e talvez por isso se percam nessa busca, com angústias excessivas e desespero quando diante do sofrimento inevitável na vida. Chegando perto do fim do ano, pretendo apresentar possíveis respostas, com base no livro Aristotle’s Way, de Edith Hall.
A ética aristotélica engloba
aquilo que muitos pensadores modernos associam com a felicidade subjetiva:
autorrealização, encontrar um “sentido” para a vida, adotar uma postura
criativa diante dela e um “pensamento positivo”, mas realista. Aristóteles nos
ofereceu, milênios atrás, um modelo que exige responsabilidade individual, ou
seja, a escolha racional de ser feliz, adotando uma postura ativa, apesar das
circunstâncias nem sempre favoráveis.
Mas isso não deve se confundir
com qualquer tipo de hedonismo, de fuga pelos prazeres. Aristóteles não era um
utilitarista, tampouco um cínico ou um estoico, que adota visão mais pessimista
sobre a vida, preparando-se para suportar a dor. Aristóteles era mais otimista,
acreditava na capacidade humana de buscar a felicidade, mas não de qualquer
forma, de maneira irrefletida, deixando a “vida te levar”. O homem feliz é
aquele que busca atingir suas potencialidades, dando sentido mais elevado para
sua existência.
Para Edith, JFK foi quem
melhor resumiu a felicidade aristotélica: o uso total de seus poderes ao longo
de linhas de excelência em um escopo de vida. O hábito faz o monge, e
Aristóteles acreditava que é possível treinar para se tornar bom, melhor,
fortalecendo suas virtudes e controlando seus vícios. Dessa forma, a felicidade
seria um estado mental fruto desse hábito de fazer a coisa certa. Existem as
virtudes da autodisciplina, como a coragem e a paciência; as virtudes da
consciência, como a honestidade e a justiça; e as virtudes envolvendo
terceiros, como a compaixão e a gentileza.
Aristóteles não menosprezava
as circunstâncias, e ele mesmo teve sua alta cota de tragédias pessoais. Não
obstante, estava seguro de que era possível buscar essa vida mais rica, e que
isso poderia produzir felicidade genuína. A falta de sorte pode impactar uns
mais do que outros, sem dúvida, e, dependendo da situação, pode tornar a meta
da felicidade algo um tanto difícil; mas não é impossível. Mesmo aqueles que
nascem numa condição desfavorecida ou enfrentam desgraças inimagináveis podem,
ao menos, canalizar seus esforços para levar uma vida mais virtuosa e,
portanto, feliz.
Ele não desprezava os
prazeres da carne, mas entendia que era possível apreciá-los de formas
construtivas
A vantagem da ética aristotélica, a meu ver, é que ela não está dissociada da realidade de nossa natureza. Outros modelos adotam postura mais “Poliana” ou buscam criar o “novo homem”, ignorando que temos paixões intrínsecas. Já os mais pessimistas simplesmente se convencem de que a felicidade é algo inviável para a condição humana. Aristóteles tenta encontrar uma espécie de “caminho do meio”, partindo da visão realista do homem, mas sem abandonar as esperanças de felicidade verdadeira.
Essa ética aristotélica não é
um manual minucioso de como viver ou qual decisão tomar em cada situação, mas,
sim, uma espécie de mapa geral de navegação, como um capitão equipado com o
conhecimento de certos princípios para adotar suas escolhas dependendo de cada
momento. Quem busca em Aristóteles uma “pedra filosofal” para construir um
código de conduta específico a cada circunstância estará fadado ao fracasso.
A moderação aristotélica
visava a evitar extremos, pois quem nunca está impaciente, por exemplo, não
costuma realizar nada significativo, e quem é impaciente demais não espera a
hora certa para fazer as coisas. Aristóteles não pregava a fuga dos desejos,
tampouco a busca de saciá-los a todo custo. Ele não desprezava os prazeres da
carne, tais como sexo, bebida ou comida, mas entendia que era possível
apreciá-los de formas construtivas, com aqueles que amamos, sem sermos escravos
de nossos apetites.
Isso vai de encontro ao que
muitos defendem hoje, como se o caminho para a felicidade fosse fazer aquilo
que se tem vontade ou que “dá na telha”. Aristóteles jamais defenderia uma vida
não examinada. Ele foi o melhor aluno de Platão, afinal, e, apesar de várias
divergências, ambos concordariam que ao homem foi dada a capacidade do
raciocínio, e se evadir dela é inaceitável.
Outro ponto interessante é que
Aristóteles, filho de médico, era um empirista, ou seja, ele observava com
atenção a realidade como ela é, não como ele gostaria que ela fosse. Mesmo
filósofo da mente, ele agia como uma espécie de cientista natural, celebrando a
materialidade do universo que podemos perceber por nossos sentidos. Muitos
filósofos se perderam pelo excesso de abstrações numa “Torre de Marfim”,
desconectados do mundo real à sua volta. Não Aristóteles.
Há muito mais o que pode ser
dito, claro, mas não quero me estender demais. Aqui fica apenas uma provocação
inicial para tais reflexões. A ética aristotélica coloca o indivíduo no
controle, reconhecendo as contingências do destino, mas evocando a necessidade
de escolha e ação diante da vida, de uma forma mais planejada. Seu sistema
ético era flexível e versátil, mas não relativista, e também era bastante
prático, para ser implementado no dia a dia. Todos podem decidir pela
felicidade, o que não quer dizer que ela virá automaticamente e num piscar de
olhos. Ela exige esforço contínuo, sacrifícios, transformar virtudes em
hábitos.
A recompensa é grande, porém:
uma vida que tem sentido mais elevado, e que cada um possa ter a realização de
saber que fez seu melhor para atingir seus potenciais. Muitos se arrependem no
leito de morte de não terem tido a coragem de viver uma vida verdadeira e
plena, de acordo com seus próprios potenciais, não o que outros esperavam
deles. Poucos nesse momento final se arrependem de ter tentado realizar seus
sonhos, mas muitos lamentam nunca sequer ter feito uma tentativa. A felicidade
aristotélica consiste, enfim, em decidir o que se quer de verdade, com base em
propósitos nobres e sabendo o motivo pelo qual se quer isso, e depois
implementar um plano para conquistá-lo.
Espero aos meus leitores esse
tipo de conquista, não apenas em 2022, mas a partir de agora e sempre. A vida
humana é preciosa demais para ser desperdiçada.
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, revista
Oeste, nº 92, 24-12-2021
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